Marcus Vinicius Dias - Médico, gestor em saúde e mestre em economia pelo Ibmec
Nos últimos 10 anos, o mercado de saúde suplementar teve um comportamento peculiar em termos de beneficiários e operadores. Enquanto o número dos primeiros oscilou de modo relativamente constante, partindo de 45 milhões em 2011 e chegando a cerca de 48 milhões em 2021, com média no período de 47 milhões de usuários, os segundos sofreram grande redução em termos absolutos, saindo de pouco mais de 1.000 em 2011 para algo em torno de 700 atualmente. Enquanto o número de beneficiários oscilou menos do que 5% neste período, o número de operadoras sofreu consistente concentração na ordem de 30%.
Boa parte desta redução significativa no número de operadoras, dentro de um mercado estabilizado de usuários, se deve a processos de fusão e aquisição que ocorrem no setor. Para se ter uma ideia, levando-se em consideração o mercado de saúde como um todo, em 2016, foram 41 operações de M&A, 43 em 2017, 61 em 2018, 73 em 2019, impressionantes 82 em 2020 e, no ano passado, ultrapassou a marca de 60. A tendência, que é mundial, diga-se de passagem, é seguir em concentração setorial.
As cifras bilionárias do setor movimentam o mercado de ações (pois cada vez mais temos empresas de capital aberto operando na saúde), dando trabalho tanto para analistas buy side, que orientam grandes fundos em como se posicionar frente a estas operações, quanto os sell side, que atiçam a vontade dos investidores individuais que almejam ter retornos robustos de suas carteiras de ação.
Diante de inequívoca concentração setorial, com fusões de grandes players no mercado de operadoras verticalizadas, bem como a consolidação de grandes redes de prestação de serviços hospitalares e de diagnóstico por meio de sucessivas aquisições, ganhou força nos debates públicos a discussão se esta tendência coloca ou não em risco a concorrência desejável de todo mercado competitivo.
Tentando fugir do debate ideológico, e do subjetivismo que, muitas vezes, nos afastam de uma análise mais técnica e nos levam a aderir posições prós ou contra quase que por gravidade, deve a autoridade antitruste permanecer atenta ao filme, e não ao retrato da tendência, bem como a métricas objetivas consagradas na Literatura Concorrencial para respaldar suas análises e recomendações para esse setor de grande importância econômica e social.
Conceitos como o de mercado relevante, a aplicação da regra da razão, o teste do monopolista hipotético, o quanto o consumidor médio está disposto a abrir mão daquele produto ou serviço após um pequeno, mas significativo e não transitório aumento de preços, fazem parte do instrumental de trabalho dos especialistas em Direito Concorrencial e passam ao largo dos debates acalorados e apaixonados que o tema tem suscitado.
Em termos de métricas levadas em consideração os expertos tradicionalmente fixam o limite de 5% de variação dos preços cobrados após uma fusão para identificar se a operação conferiu, ou não, poder de mercado ao adquirente. Outro norteador técnico de mensuração de concentração é o somatório das participações dos quatro líderes do mercado: se acima de 75%, indica mercado altamente concentrado. Também utilizado como balizador de poder de mercado é o percentual do mercado relevante que isolada, ou conjuntamente, empresas e/ou pessoas somam: a partir de 20% daquele mercado o poder de influenciar seu comportamento passa a ser potencialmente lesivo à concorrência.
Olhando para alguns números do setor de saúde sob o prisma dessas métricas, podemos ter uma ideia mais real de como está o panorama em termos de concentração desse mercado. No que tange às operadoras, há um sistema de cooperativas que, se analisado como uma única operadora, em algumas regiões detém até 60% do market share. Quando o sistema cooperativo é retirado da análise como força única, temos, em números de meados de 2021, que a 1ª colocada, entre as operadoras de plano de saúde, tem 9% do mercado; a 2ª, que acaba de ter sua fusão aprovada pela autoridade antitruste no Brasil com a 1ª , detinha cerca de 8%; a 3ª cerca de 7,5%, e a 4ª em torno de 7% de market share.
No que diz respeito aos leitos hospitalares privados, em termos quantitativos, a líder do setor detém algo em torno de 4% de participação no mercado, sendo que a 2ª e 3ª têm cerca de metade desta participação, cada uma. Já nos serviços de medicina diagnóstica, quatro empresas, líderes de mercado e listadas em bolsa, concentram cerca de 25% de market share.
O debate segue em curso. Motivos não faltam. Alguns dados podem guiar os investidores, outros servem de apoio para defensores de que o mercado ainda é pulverizado, ou para aqueles que argumentam que ele já é cartelizado. À Autoridade Pública que trata de concorrência cabe julgar os casos concretos sem coração, de olho nos números, nas métricas e na jurisprudência nacional e internacional. Ao usuário, elemento nobre deste setor crucial à sociedade, para além de saber se a variação de preço é de X, se o market share é de Y ou se a margem Ebitda é Z, interessa mesmo é o desfecho entregue por estes prestadores.
A transparência dos resultados assistenciais é algo decisivo para se avaliar no setor de saúde se uma fusão ou aquisição foi de fato benéfica ou não ao usuário. É a métrica das métricas! Afinal, como nos alerta Warren Buffett, preço é o que se paga; valor o que se leva por um serviço ou produto. E, em termos de saúde, o máximo que sabemos atualmente é se "tá no preço". Nunca se "tá no valor"...