Convenhamos: do presidencialismo de coalizão, em que o Executivo só pode desempenhar suas funções mediante a concessão de infinitas benesses aos parlamentares, a maioria, flagrantemente, antirepublicana, até o semipresidencialismo, modelo proposto, agora, pelo presidente da Câmara, é um pulo, bastando apenas a troca de denominação do sistema.
Uma coisa e outra são vizinhas, habitam o mesmo espaço dentro do Congresso Nacional. Propor debate em torno de proposta dessa natureza é só um meio de oficializar o que, na prática, acontece desde a redemocratização. É preciso entender que, em si, o presidencialismo de coalizão, de acordo com estudos desenvolvidos pelo cientista político Sérgio Abranches, há mais de três décadas, mesmo considerando que esse sistema se mostrou, desde sempre, um importante dilema institucional para o país, em tese, funcionaria bem, caso houvesse, de antemão, uma representação política de inegável qualidade ética e profissional dentro do Poder Legislativo.
Obviamente, a qualidade da representação está diretamente ligada à qualidade do eleitor e à elevação do ato de votar para uma categoria de racionalidade, impensável para a média dos eleitores brasileiros. São ciclos, hermeticamente, interdependentes, forçando a perpetuação de um sistema que, hoje, tem a cara e assinatura do eleitor. Mesmo que a proposta, caso venha ser aprovada, tenha sua implementação só na próxima década, o assunto, por sua periculosidade, mereceria, desde já, um detido exame à luz de um microscópio de elétrons, um dos mais acurados hoje em dia.
O semipresidencialismo, se for tomado como exemplo da qualidade da atual composição política do Estado, não passará de uma semiverdade, imposta por um pseudomodelo que pode vir apenas para escancarar os cofres da União. O que se propõe aqui não é um parlamentarismo puro nem um presidencialismo misto, mas algo situado entre as ambições desmedidas da classe política e a pouca ou nenhuma disposição para governar demonstrada pelo governo.
Aliás, é nesse vácuo, propiciado pela pouca disposição em fazer valer o que manda a Constituição para cada um dos Poderes da República, que surgem propostas desse nível, que mascaram um modelo a ser confeccionado apenas para gaudio dos políticos que temos. O que vimos até aqui, é que a disposição em governar, comme il faut, só não é maior do que o desejo de cooptação da vontade dos políticos, por meio de prebendas e outros agrados. O presidencialismo de coalizão, como praticado entre nós, alcançou os píncaros de sua essência com os governos da esquerda, por meio de práticas como o mensalão, petrolão e outros mecanismos criminosos e pode atingir, com essa nova proposta, a perfeição, caso venha a ser implementado, de fato.
O que ocorre é que os políticos, de olho na possibilidade de uma vitória das esquerdas, começam a aplainar o terreno para a reentrada do Partido dos Trabalhadores no comando do país, dando a essa sigla e aos seus asseclas um Estado prontinho para ser novamente dilapidado, dessa vez, dentro do que estabelece o tal semipresidencialismo.
Não se trata aqui, nessa proposta, de nenhuma movimentação ou interesse no sentido de modernizar as relações institucionais do país, sempre conflituosas e fator de insegurança jurídica permanente. O que se tem é a oficialização de práticas de governo, que os cidadãos de bem, há muito, condenaram. Trata-se, pois, de uma mudança visando estabelecer juridicamente a cleptocracia.