ORLANDO THOMÉ CORDEIRO - Consultor em estratégia
A democracia representativa passa por uma crise em diversas partes do mundo ocidental, e o Brasil não foge à regra. Segundo a última pesquisa DataFolha realizada em dezembro de 2021, apenas 10% dos entrevistados consideram o trabalho do Congresso Nacional como ótimo ou bom, o menor índice na atual legislatura, contra 41% que apontam como sendo ruim ou péssimo. O mesmo instituto, em setembro do ano passado, revelou que 61% dos brasileiros não confiam nos partidos políticos, enquanto 35% dizem confiar um pouco e somente 3% têm muita confiança.
Os escândalos de corrupção e as decisões corporativas presentes na vida dos legislativos nos planos nacional, estadual e municipal têm contribuído sobremaneira para o agravamento desse cenário. Uma das consequências imediatas é o aumento do ceticismo em relação à própria atividade política, que vem sendo criminalizada por parte significativa da sociedade. Isso se materializa no elevado percentual de abstenções, votos nulos e brancos, cuja soma alcançou 29,12% do eleitorado em 2018 e 33,35% em 2020.
Diante dessa situação, a boa notícia foi que, nos últimos anos, vimos o surgimento de movimentos da sociedade civil interessados em renovar a política no país. Experiências como RenovaBR, Livres, RAPS, entre outras, procuraram, cada qual a seu modo, melhorar a qualidade da representação política, estimulando o ingresso na disputa eleitoral de nomes que conseguissem expressar ideias e valores republicanos e democráticos.
Outra característica relevante dessas iniciativas é a presença majoritária de jovens exercendo as funções de liderança. E isso é muito bom, mas o que você diria se alguém lhe contasse que um grupo de septuagenários resolveu se juntar para mudar os rumos da política no país? Pois é... Ano passado, tive a oportunidade de conhecer a Associação Grita!, uma ONG de comunicação, criada há dois anos, por engenheiros que se graduaram no ITA nas décadas de 1960 e 1970.
Apesar da idade avançada que os desobriga de votar, eles nunca deixaram de exercer esse direito por acreditarem na força do voto como instrumento de mudança. Entretanto, perceberam que, para além da ação individual, seria importante dar um passo adiante, de forma coletiva, na perspectiva de poderem contribuir para a inadiável transformação da realidade do país.
Na contramão do senso comum que privilegia o debate em torno da disputa presidencial, eles colocaram seu foco de atuação na luta para mudar o atual perfil do Congresso Nacional. Desde sua constituição, a associação tem procurado identificar parlamentares que sejam políticos sérios, honestos e comprometidos com a modernização democrática do Legislativo. Foram inúmeras reuniões e debates com a participação de jornalistas, cientistas sociais e representantes de lideranças de diversos partidos que permitiram compreender melhor o tamanho do desafio.
Com base nesse propósito, definiram uma pauta em torno da qual esperam conseguir a adesão de um conjunto de candidatos e candidatas ao parlamento federal, independentemente de filiação partidária. Entre os pontos, destacam-se questões como o fim do foro privilegiado, o apoio integral à Lei da Ficha Limpa e a adoção do voto distrital.
Só que não pararam por aí. Como velhinhos cheios de energia, resolveram agora dar um passo ainda mais ousado. No ano em que se comemora o centenário da Semana de Arte Moderna e buscando inspiração no espírito provocador e disruptivo de figuras icônicas como Oswald de Andrade, Pagu, Mário de Andrade, Tarsila do Amaral, estão promovendo um evento denominado "Semana da Política Moderna". O objetivo é provocar o debate sobre quais caminhos precisam ser construídos e trilhados para modernizar a maneira de fazer política no país. A expectativa é de que os palestrantes e o público participante apresentem uma ou mais respostas para a pergunta "o que é política moderna?".
Depois da decepção causada pela atuação de muitos dos arautos que se elegeram em 2018 apoiados no mote da "nova política", a expectativa do Grita! é avançar no debate e na mobilização para influenciar no processo eleitoral de maneira a apoiar a eleição de uma bancada pluripartidária comprometida com os pontos que compõem sua pauta.
Com dedicação, desprendimento e otimismo, eles pretendem provocar uma onda mobilizadora, um verdadeiro tsunami renovador no pleito de 2 de outubro. Há quem diga ser sonho de uma noite de verão. Sem dúvida, a empreitada é bastante desafiadora, mas recomendo não duvidarmos desses velhinhos travessos.