Editorial

Visão do Correio: Desafios da educação

Lugar de criança é na escola. Mas o país se notabilizou por ignorar essa máxima. Entre 2019 e 2021, houve um aumento de 66,3% no número de crianças entre 6 e 7 anos que não sabem ler nem escrever. Isso significa que passou de 1,4 milhão para 2,4 milhões o universo de crianças não alfabetizadas, segundo levantamento do Movimento Todos pela Educação, com base na Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios Contínua (Pnad Contínua), do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE). 

Em 2019, antes da eclosão da pandemia do novo coronavírus, o analfabetismo de crianças pretas e pardas havia passado para 28,8% e 28,2%, respectivamente. Em 2021, subiu para 47,4% e 44,5%. Entre as brancas, o aumento foi menor: de 20,3% para 35,1% no mesmo intervalo. Em todas as situações — desconsiderando o recorte racial, em que as negras sempre são mais prejudicadas —, o dramático cenário terá impacto negativo ao longo da trajetória escolar, em razão da dissintonia entre idade e série. 

O levantamento mostra também a influência da condição socioeconômica nessa triste realidade. Nos lares mais abastados, o aumento do número de crianças na faixa de 6 a 7 anos não alfabetizadas cresceu de 11,4% para 16,6%, entre 2020 e 2021. Nas famílias de baixa renda — ou sem renda, diante do avanço do desemprego e da miséria no período —, o avanço foi de 33,6% para 51%.

Embora a pandemia tenha sido uma barreira às aulas presenciais, no país, esse obstáculo se tornou praticamente intransponível ante as históricas deficiências decorrentes da pouca importância que o poder público dispensa à educação. A crise sanitária só realçou o desleixo. Os estudantes — crianças e jovens — da rede pública de ensino foram as mais afetadas pela falta de infraestrutura e mecanismos que lhes permitissem seguir estudando a distância. Sem acesso à internet, seja por falta de instrumentos (celular, computador, entre os empobrecidos), seja pelo fato de as unidades de ensino também não terem equipamentos nem conexão com a rede mundial de comunicação.

Entre unidades da Federação mais atingidas e onde há mais crianças entre 5 e 9 anos afastadas das sala de aula, o Amapá lidera com 14,5% de estudantes longe das escolas, segundo a Fundação Getulio Vargas (FGV). Na sequência, Roraima (12,1%), Rondônia (8,87%), Amazonas (7,96%) e Acre (7,46%). A nota técnica do Movimento Todos pela Educação destaca os efeitos dessa realidade no decorrer do tempo: "A não alfabetização das crianças em idade adequada traz prejuízos imensos para suas aprendizagens futuras, o que também eleva os riscos de uma trajetória escolar marcada por reprovações, abandono e/ou evasão escolar". A evasão é um dos efeitos, quando há desrespeito à regra de que lugar de crianças e jovens é na escola.

Especialistas preveem que o país levará anos para recuperar os danos educacionais causados pela crise sanitária, somados à indiferença do poder público. Para este ano, o orçamento do Ministério da Educação teve o segundo maior corte de verbas. O Planalto vetou R$ 739,9 milhões da pasta, quando deveria ter dado um reforço para compensar os impactos da pandemia, principalmente nas redes públicas de ensino nos níveis municipais e estaduais. Independentemente das opções do Executivo, o Brasil há muito patina na formação escolar dos brasileiros.

No ranking de 76 países avaliados pela Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE), o Brasil ocupa a 60ª posição em relação à qualidade do ensino. O atual quadro é um dos grandes desafios do próximo governo. Um país sem educação de qualidade não avança no desenvolvimento, não rompe com as desigualdades e está fadado a ser um fracasso nas áreas sociais e econômicas, mergulhado no poço da ignorância. Caberá ao futuro presidente da República içar o país à superfície.

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