Marcelo Buhatem - Desembargador no Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro (TJRJ) e presidente da Associação Nacional dos Desembargadores (Andes)
A magistratura brasileira, com todos os conhecidos problemas, ainda é uma das mais produtivas do mundo. Basta verificar, no site do Conselho Nacional de Justiça (CNJ), as estatísticas no "Justiça em Números". A sistemática falta de juízes assoberba os existentes, que, no entanto, acabam cumprindo, em parte, a missão. Digo em parte, porque, no Brasil, há uma das maiores taxas de litigiosidade do mundo. Há quase um processo para cada dois habitantes.
Não há sistema que suporte e, a meu ver, só uma solução há, qual seja, exigir alguma prova de que o prejudicado procurou o autor do dano na tentativa de qualquer solução amigável, antes da discussão virar "papel ou bytes".
Sem isso, é e será um eterno enxuga-gelo. Não há orçamento que suporte o crescimento das demandas. Já foram 100 milhões, hoje são cerca de 80 milhões, mas a pandemia está mostrando que esses números voltaram a crescer. Esse introito serve para mostrar que não é fácil ser magistrado no Brasil, ainda mais quando as críticas são sempre ácidas e, muitas das vezes, desrespeitosas e injustas.
O sistema constitucional ensina que o teto do funcionalismo público é o tal subsídio de ministro do Supremo Tribunal Federal, fixado em 2018, e até hoje mantido, em R$ 39.200, que, com os descontos do IR e INSS, é drasticamente reduzido acerca de R$ 29 mil líquidos. Pois bem, a partir desse valor, ou teto, são calculados os demais subsídios dos 18 mil magistrados, fazendo com que um juiz recém-concursado acabe recebendo, no máximo, em torno de R$ 19 mil líquidos por mês. Esse valor, se comparado ao pago a qualquer profissional capacitado, em bom emprego, é facilmente alcançável.
A responsabilidade de entregar o justo a quem acha que tem direito, e, diga-se, todos que procuram a Justiça acham que o têm, é tarefa difícil e determinante de alto grau de enfermidade entre magistrados. O que preocupa, neste momento, é a dispersão, o desinteresse, a migração de mão de obra tão qualificada para outros caminhos, como a iniciativa privada e até a política. Os novos magistrados perderam a paridade e a integralidade. Todos viram a aposentadoria minguar, uma vez que perdem cerca de 40% da remuneração ao se aposentarem, e deixaram de contar com vários outros atrativos que faziam da carreira, talvez, a mais procurada e respeitada do Estado brasileiro.
O sistema de subsídio para a magistratura, quando implantado, após a EC 19, pretendeu, com razão, abolir a discrepância vencimental entre os estados da Federação. Ora, se na mesma função, é justo receber o mesmo salário (subsídio). No entanto, no decorrer do tempo viu-se que esse sistema de subsídio está fadado ao malogro, pois sem, pelo menos, a reposição anual da inflação, o que não ocorre há muitos anos, deu-se a corrosão de metade do poder aquisitivo referente.
Se considerada a inflação, perdas de 50%; se comparado ao salário-mínimo, em 2006 ganhávamos o equivalente a 77 e hoje a remuneração corresponde a 36 salários-mínimos. É obvio que, em um país com graves problemas sociais e notórios abismos remuneratórios, esses valores podem parecer elevados, mas a discussão não se encerra com simplicidade.
O cidadão que bate à porta do Judiciário sabe que, na maioria das vezes, depositará ali a sua esperança ou até a sua vida, e, assim, espera um magistrado tranquilo e bem remunerado. Se o seu processo demora a ser julgado, com razão, deve cobrar a eficiência desejada. Não é aceitável a campanha de desmonte que o Judiciário vem sofrendo há anos. Isso não é razoável, e a democracia não permite nem deseja que o Poder seja fraco.
Assim, a Associação Nacional de Desembargadores (Andes) vem pugnando, há meses, pela remessa de lei orçamentária constitucional que contemple, ao menos, a reposição inflacionária. Tanto que protocolizou Anteprojeto de Lei junto ao STF, solicitando que analise, em sessão administrativa, a reposição inflacionária de 2021 (10,6%). Se será aprovada no parlamento ou vetada pelo presidente da República, são outros quinhentos, face ao princípio da autonomia entre os Poderes, mas o envio me parece obrigatório no formado que ensina o art. 37, X, da CF.
Há uma expressão muito usada pelos que se entendem injustiçados de forma geral. Isso não é justo! Mas quem disse que a vida o é? No entanto, é justo reivindicar o que se entende por justo. É isso que a magistratura brasileira deve fazer.