Editorial

Visão do Correio: É preciso ter responsabilidade

A inflação é, de longe, o pior imposto para uma sociedade. No Brasil, há experiência de sobra do que ela pode provocar na economia em termos de crescimento da desigualdade social e baixas taxas de crescimento econômico. É preciso estancar os reajustes de preços que, no último ano, corroeram a combalida renda dos trabalhadores e pesaram sobre os custos das empresas, que são pressionadas a fazer reajustes em um ambiente de queda no consumo. Todo esforço deve ser empreendido para que o Brasil não volte a conviver com um problema que está equacionado. Mas não se pode agir de forma afoita e irresponsável. Em ano eleitoral, preços em alta e inflação incomodam em maior grau o governo e o Congresso Nacional. E, hoje, há no Legislativo uma série de projetos que buscam formas de reduzir o valor dos combustíveis nas bombas de abastecimento. É com eles que é necessário cuidado.

Entre propostas de emenda à Constituição e projetos de lei, Senado e Câmara apreciam medidas que podem surtir o efeito contrário ao desejado ou ainda ter um impacto limitado no tempo. A maior parte delas prevê redução de impostos da União, e algumas incluem tributo estadual, incidente sobre diesel, gasolina, etanol, biodiesel, gás de cozinha e energia elétrica. E vão além, criando vales para custear diesel para caminhoneiros autônomos ou compensações para entes federados, com impacto bilionário na arrecadação da União, estados e municípios.

A PEC no Senado permite reduzir ou cortar IPI, IOF, Cide, Pis/Pasep/Cofins, IE e ICMS e cria o vale-diesel no valor de R$ 1.200 por mês para caminhoneiros autônomos, eleva o vale-gás para 100% do valor do botijão de 13 kg e destina R$ 5 bilhões para custear o transporte público de idosos nos estados e municípios. Sozinha, a PEC do Senado gera mais de R$ 17 bilhões em despesas novas, que, somadas à perda de arrecadação, pode ter um impacto fiscal de R$ 100 bilhões segundo cálculos do Ministério da Economia. A PEC dos Combustíveis, que tramita na Câmara e passou pela Casa Civil, prevê corte de impostos da União, estados e municípios sobre diesel, gasolina, etanol e gás de cozinha. Levará a uma perda de arrecadação da ordem de R$ 54 bilhões. Nos dois casos, a redução tributária vale para 2022 e 2023.

Há ainda dois projetos de lei na Câmara dos Deputados. O primeiro altera a forma de cálculo do ICMS sobre diesel, gasolina e etanol, recebeu o aval dos deputados e aguarda votação no Senado, enquanto outro propõe a criação de um fundo de estabilização com os lucros extraordinários da Petrobras (que seria gerado pelo efeito da alta dos combustíveis) e o Imposto sobre Exportação de petróleo. Nesse caso, não há impacto fiscal. A solução é necessária, porém, mais uma vez, é preciso lembrar que é preciso responsabilidade, para que uma solução não se converta em pouco tempo em um problema maior do que aquele que se quis resolver.

Os alertas da equipe econômica são para o impacto fiscal e os riscos dos efeitos negativos da deterioração das contas públicas. E o aviso foi endossado ontem pela ata da última reunião do Comitê de Política Monetária (Copom) do Banco Central, que elevou a taxa básica (Selic) em 1,5 ponto percentual ao patamar de 10,75%, na quarta-feira passada. A advertência do BC é para o efeito do uso de política fiscal visando baixar a inflação no curto prazo sobre as contas públicas, elevando as taxas de risco do país e contribuindo, assim, para gerar mais inflação no médio prazo.

A redução dos preços dos combustíveis com corte de impostos e piora das contas públicas vai pressionar o dólar e não será suficiente para conter o aumento nas cotações do petróleo no mercado internacional. Com a projeção da inflação em alta no horizonte de médio prazo, a alternativa do BC será elevar ainda mais a taxa de juros, o que é negativo para a economia como um todo. É preciso que Senado e Câmara dos Deputados resistam a tomar medidas de olho apenas nas urnas e contribuam para o debate e a proposição de ações que tragam uma solução estrutural para os preços dos combustíveis, para que eles continuem livres, mas sofram menos impacto com variações conjunturais.

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