Islândia, Holanda e Dinamarca lideram o grupo restrito de nações com os melhores e mais eficientes sistemas de previdência no planeta, de acordo com o índice Global Pension Index, elaborado pelo Instituto Mercer-CFA. No ano passado, o Brasil perdeu em pontuação para 30 das 43 nações que integram o ranking. Os critérios considerados combinam recursos suficientes do sistema, sustentabilidade e ambiente regulatório.
No entanto, mais que isso, há um princípio que busca impedir a pobreza na velhice, conceito que não se percebeu prioritário na discussão da reforma brasileira da Previdência e nem sequer agora, quando o que preocupa é a própria manutenção do INSS e de suas verbas. O corte de R$ 988 milhões dos recursos do instituto no Orçamento de 2022, que o presidente Jair Bolsonaro determinou, significa prenúncio de colapso, para especialistas em sistema previdenciário. O veto deve ser apreciado num ambiente desfavorável de corrida às eleições de outubro pelo Congresso Nacional, agora retomando seu funcionamento.
O Parlamento prevê votar, amanhã, a série de vetos do presidente. Manter os cortes será reforçar o calvário dos brasileiros dia após dia atrás de atendimento e à espera da análise de processos para o justo descanso do trabalho ou acesso a benefícios sociais previstos. É como se o Brasil não admitisse a previdência como direito fundamental do cidadão, pressuposto que deveria reger as discussões envolvendo as necessidades do sistema, por excelência, um sistema solidário.
Enquanto nos recursarmos à definição do seguro social como garantia de vida digna para a população, pressuposto adotado em sociedades desenvolvidas, o país não vai encarar os problemas e evitar retirada de verba, como a situação imposta ao INSS. As aposentadorias e pensões precisam ser entendidas como dever coletivo e solidário, o que já garantiria empenho por dinheiro suficiente e combate ao privilégio das regras vigentes para categorias do setor público, inclusive após a reforma da Previdência, aprovada em 2019, a exemplo dos militares do Exército, Marinha e Aeronáutica.
Circularam informações em Brasília dando conta de que o relator do Orçamento 2022, Hugo Leal (PSD-RJ,) obteve a promessa do governo de rever a tesourada no INSS. O risco da perda de votos para a reeleição pode ter sido o motivo, mas nada de concreto surgiu da suposta negociação. Como justificar o fato de o governo e os parlamentares terem preservado recursos, neste ano, para o fundão eleitoral e as emendas secretas do relator, em vez da verba que sustenta a engrenagem do sistema de previdência no país?
Há estimativas da Federação Nacional dos Sindicatos de Trabalhadores em Saúde, Trabalho, Previdência e Assistência Social (Fenasps) de que o INSS perdeu cerca de 40% de suas verbas, o que tem potencial para não só prejudicar os trabalhadores como esticar ainda mais a fila para concessão de benefícios, formada por 1,8 milhão de pessoas. A área de administração nacional do instituto teria sido a que mais perdeu com os vetos de Bolsonaro, no valor de R$ 709,8 milhões.
Os serviços de processamento de dados do INSS perderam R$ 180,6 milhões, projeto de melhoria contínua outros R$ 94,1 milhões e o departamento de reconhecimento de direitos de benefícios previdenciários ficou sem R$ 3,4 milhões. Os cortes também agravam dificuldades estruturais que se arrastam sem solução, como a falta de servidores e agências sucateadas. A fila de atendimento reflete, de outro lado, a paralisação das perícias médicas, devido aos períodos de avanço da covid-19.
Se o apelo dos brasileiros parece pouco para sensibilizar Parlamento e governo, há de ser lembrada a importância de um sistema digno para o desenvolvimento socioeconômico dos países. Dados levantados pela pesquisadora Ana Amélia Camarano, do Ipea, indicam que 35% dos 72,6 milhões de domicílios no Brasil têm ao menos um idoso. Os benefícios pagos a essas pessoas consistem em única fonte de renda para 18,6% do total de lares brasileiros.