Artigo

Moïse, Durval e o Brasil que não deu certo

A quem queremos enganar quando negamos o racismo tão evidente no Brasil? Os assassinatos do congolês Moïse Kabamgabi, espancado até a morte em um quiosque de praia, e de Durval Teófilo Filho, atingido por três tiros no condomínio onde morava, são mais um tapa na cara da hipocrisia e deixam um rastro de dor insuperável não apenas para suas famílias e amigos.

Não faltam números e histórias para comprovar o que é fato no Brasil: o genocídio de negros. Quando não mata, o racismo continua a escravizar a população de pretos, com a fome, a violência, a falta de oportunidade, a desigualdade flagrante.

O Atlas da Violência, elaborado pelo Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea), mostra que os negros têm 2,6 vezes mais chances de morrerem assassinados em comparação aos cidadãos de pele clara. Sete em cada 10 vítimas de homicídio são negras. Também são as vítimas preferenciais da violência policial.

As estatísticas não bastam para nos declararmos racistas? Fiquemos, então, com o sofrimento, o lamento, a dor de ver pessoas barbaramente mortas apenas por serem negras. Números e lágrimas que contam a mesma história - e ela se repete todo dia.

O Brasil será sempre um país cruel e indigno se não se abrir para a realidade e confrontá-la com ações que possam fazer frente ao imenso preconceito que, dia a dia, se mostra tão claro e evidente.

Reconhecer o histórico de escravidão como uma ferida aberta, que ainda hoje purga e inflama, é o primeiro passo para evoluirmos como nação que preza, antes de tudo, pela humanidade. Parece pouco, mas talvez seja o mais difícil.

Olhar para as dores expostas da população negra, de forma a perceber esse sofrimento imposto pelo homem branco, não é desenterrar um passado, é crescer a partir dele. Olhar com atenção para as nossas faltas, falas, posturas, omissões, crimes cotidianos de racismo é ponto de partida para a conscientização individual e coletiva.

Mas não basta olhar e reconhecer. A conscientização é um passo. É preciso muito mais. Educação, ações afirmativas a favor da população negra, denúncias e prontas respostas para cada injúria, calúnia, ofensa e agressão contra negros. Justiça e punição exemplar para os casos como os de Moïse e Durval.

Existe um caminho para deixarmos de ser racistas? Sim, ele existe. É longo, árduo e não pode ser pavimentado apenas pelos negros. Todos têm obrigações nessa jornada. Todos têm responsabilidades. Todos devem engajamento e compromisso com essa causa, que nada mais é do que justiça histórica.

O poder público, em todas as instâncias, tem obrigação (porque tem todos os meios e poderes para isso) de liderar este movimento. Mas não o faz, esconde-se atrás de uma mentira, a falsa verdade de que somos um belo país miscigenado e que valoriza sua diversidade de raças e culturas. Talvez seja essa a maior e mais duradoura fake news que espalharam por aí.

Os negros continuam pagando sozinhos a dívida dos brancos. Sofrendo, chorando, sendo discriminados, ofendidos, agredidos e mortos. Jamais seremos um país pacífico, justo e humano enquanto essa gente branca não entender que estamos condenando inocentes em série a pagar uma pena que sequer é aceita neste país: a pena de morte, que, quando não tira a vida, acaba com a dignidade.