JOSÉ PASTORE - Professor da Universidade de São Paulo e presidente do Conselho de Emprego e Relações do Trabalho da Fecomercio-SP. É membro da Academia Paulista de Letras
Ronald F. Inglehart e Pippa Norris têm documentado extensamente a escalada dos líderes populistas em vários países do mundo (Trump, Brexit, and the Rise of Populism, 2016). Steven Levitsky tem mostrado que os líderes populistas contemporâneos têm conquistado o poder por meio do voto livre e democrático, e não pela via dos golpes de estado (How democracies die, 2018).
O que está por trás dessa escalada? O fenômeno do populismo moderno está intimamente ligado às mudanças que vêm ocorrendo no mercado de trabalho, provocadas por recessões e pela adoção de tecnologias disruptivas. Essas tecnologias têm uma preferência especial para destruir empregos de classe média. Por exemplo, quando a inteligência artificial entra em um grande almoxarifado, o gerente que controla os estoques é dispensado. Quando se instalam sistemas digitais de tradução para conferências virtuais, desaparece o trabalho dos que fazem interpretação simultânea. Nos cursos on-line, tomam o lugar de professores. E assim por diante. Todos trabalhadores de classe média.
Quando isso ocorre, os profissionais mais bem-educados conseguem se reciclar, adotam outra ocupação e até sobem de classe social. Os que não conseguem vão dirigir Uber, entregar mercadorias, ser zelador de prédio etc. São legiões de pessoas de classe média que fazem mobilidade social descendente. Em muitos países, há muita gente que desce e poucos que sobem na pirâmide social. A Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômic (OCDE) diz: "Parece que o elevador social do mundo quebrou".
Como seres humanos constituídos de razão e emoção, os que descem socialmente são dominados pelo sentimento de privação relativa que surge ao verificarem que sua situação está pior do que muitos integrantes dos seus grupos de referência — colegas, amigos e parentes. Esse sentimento é carregado de frustração, descontentamento e sensação de injustiça.
Movidas pelas poderosas forças dos sentimentos, essas pessoas se agarram aos líderes populistas de esquerda e de direita que prometem mudar e melhorar a sua vida. São grupos imensos de eleitores que vêm passando por esse processo.
Por que os líderes populistas os atraem? Em geral, os líderes populistas acentuam a divisão entre o "povo sofrido" e a "elite corrupta". Eles agem como se tivessem a representação moral exclusiva do povo e deixam subentendido que o governo pode tudo. Defendem o assistencialismo como combate às regalias das elites. Prometem cortar impostos e aumentar os salários. Aos olhos dos que mais sofrem, são vistos como seus defensores e salvadores da pátria.
Historicamente, porém, a prática do populismo tem arrebentado os orçamentos e criado graves desequilíbrios nas finanças publicas. Solapam a confiança dos investidores, comprometem o crescimento econômico e jogam os países em recessões crônicas. É um sistema insustentável. Na América Latina, o caso da Argentina é emblemático, mas isso tem ocorrido em vários países (Daron Acemoglu e James A. Robinson, Why nations fail, 2012).
Não é fácil afastar a preferência pelo populismo quando a desigualdade é sentida como injusta. No momento, a pandemia agravou a desigualdade e detonou muitas ações necessárias de pura assistência social. Será impossível governar sem isso. Mas se a governança se resumir ao assistencialismo, o futuro com recessões crônicas estará selado