Visão do Correio

Artigo: Para evitar a faltar energia

As chuvas deste verão, embora voltem a causar estragos e tragédias nas regiões castigadas por temporais, com grandes volumes concentrados em período curto de tempo, estão, como efeito colateral, aliviando o risco de que o país venha a conviver com apagões elétricos neste ano. Embora essa circunstância certamente não compense as perdas de vidas humanas, a recuperação de reservatórios já permitiu ao governo aliviar a tarifa de escassez hídrica para os consumidores da camada mais pobre da sociedade, beneficiados por programas federais de transferência de renda.

Mas a conjuntura no sistema de geração ainda não é suficiente para dar tranquilidade com relação à travessia do próximo período seco. A Agência Nacional de Energia Elétrica (Aneel) já havia definido que os R$ 14,20 cobrados a cada 100 quilowatts/hora vigoram nas contas até abril, quando chega ao fim o período chuvoso nas regiões Sudeste/Centro-Oeste, onde estão as usinas que respondem por 70% da produção hidrelétrica do país.

A partir de abril, o que se imagina é que a Aneel adote a tarifa vermelha, que, na segunda faixa, cobra R$ 9,49 a cada 100 quilowatts/hora, para permitir que o rombo das distribuidoras seja amortizado pelos consumidores. É uma opção, mas é o maior indicativo da falta de planejamento do governo, quando deixou que os reservatórios das hidrelétricas chegassem ao ponto que exigiu a imposição de custos aos consumidores.

E não é apenas nas contas que a população é punida. Há um grande contingente de pessoas vivendo hoje às margens dos lagos que se formaram nas grandes represas construídas há décadas e cujas fontes de renda secam com o esvaziamento dos reservatórios. Há, ainda, atividades produtivas, como a navegação e a piscicultura.

Por outro lado, o risco de adotar medidas eleitoreiras para redução na conta de energia na atual conjuntura é comprometer a busca de equilíbrio nas hidrelétricas. É prudente e necessário que o governo encontre formas de equilibrar o custo da geração. Seja com mais incentivo a fontes como o sol, os ventos e a queima de sobras de indústrias e gás natural, que representam custo muito menor em relação às usinas térmicas a óleo diesel; seja com a administração das tarifas por um período suficiente para que as represas cheguem a um nível que não comprometa a operação na estiagem. A pressa ou interesse político em baixar o custo será proporcional à elevação do risco de problemas mais à frente.

E aqui não há uma defesa da energia cara, que aperta o orçamento das famílias e sufoca as empresas, mas sim de que o governo planeje a recuperação dos lagos das usinas, que, mais do estoque de energia, são fonte de renda para cidades que margeiam as represas das hidrelétricas. Com o período chuvoso deste ano, os reservatórios do Sudeste/Centro-Oeste estão com 41,71% da capacidade de armazenamento, quase o dobro do patamar de 23,24% de janeiro de 2021. Mas ainda há disparidades, e o que se espera é que todo o sistema chegue ao fim de março com mais de 50% do volume útil. Hoje, Furnas está com 55,8%, mas Ilha Solteira está em colapso.

O baixo crescimento econômico esperado para este ano deve ajudar no processo de recuperação dos reservatórios, assim como a entrada em operação de novas usinas, subestações e linhas de transmissão que permitam otimizar a operação e estocar água sem onerar consumidores. É preciso planejar o funcionamento das hidrelétricas e avançar no processo de diversificação de fontes de geração, principalmente a solar e a eólica, que tem maior produção firme de energia exatamente no período seco, quando os reservatórios de água das usinas sofrem com a vazão maior e a evaporação. Hoje, as hidrelétricas respondem por 56% da geração, as térmicas por 25% e as eólicas, por 11%. Com essa estrutura e mais anos de estiagem prolongada, o Brasil enfrentará mais riscos de desabastecimento.

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