No Brasil, já se sabe, a Justiça é uma corda esticada, na qual se equilibram a lei, de um lado e, de outro, as infinitas variações dela, oriundas da interpretação pessoal que pode ser dada por juízes. Trata-se da hermenêutica, princípio transformador das letras, que tudo pode, lançando causas e leis para o fundo do precipício. Tudo para o gaudio de egos imensos, com muitas exceções, é claro.
Vista dessa forma, a lei é, em nosso país, um personagem secundário em toda a trama da Justiça. De modo sucinto, o que temos, portanto, mesmo a despeito do desejado equilíbrio e harmonia das partes, são juízes, e não as leis a pesar em todo o processo. Desse modo, nada surpreende que uma mesma Corte possa sentenciar à prisão, em regime fechado, por anos a fio, um miserável que furtou um tubo de pasta de dente num supermercado, e em ato contínuo livrar, de qualquer condenação, um flagrante ladrão do dinheiro público, acusado de desviar milhões de reais do erário, emprestando a esse malfeitor todo o amparo legal e simpatia da Justiça.
A repetição, até monótona entre nós, de casos dessa natureza, acabou por retirar dessas decisões todo o surrealismo que elas encerram. Trata-se aqui de uma aberração a que fomos acostumados a assistir a cada sentença. Réus confessos, aqueles sobre cujos crimes não pesam quaisquer dúvidas, são orientados pela própria Justiça a voltar atrás em seus relatos e dar o malfeito por ficção ou sonho.
Nossas masmorras, lotadas com centenas de milhares de indivíduos, nascidos na mais abjeta miséria, permanecem presos sem quaisquer condenações definitivas. Por outro lado, não se nota nessas prisões um espécime sequer desses emplumados corruptos e surrupiadores do dinheiro público, todos eles mantidos longe do alcance das leis e das punições.
Com isso, eleição após eleição, esses intocáveis encontram nova guarida e nova ficha limpa para se achegar ao poder e, obviamente, para as proximidades dos cofres da União, de onde voltam a delinquir, seguros de que esses crimes repetidos permanecerão impunes para sempre.