O acirramento da crise na Ucrânia, ainda que numa escala comedida até o momento e sem evoluir para um conflito armado — que ainda não pode ser descartado —, terá impactos na economia global e, consequentemente, na brasileira. Por mais um ano o Brasil deve conviver com pressão de preços e inflação acima do teto da meta estabelecida pelo Conselho Nacional Monetário (CNM), de 3,5% com tolerância de 1,5 ponto percentual para mais ou para menos. O primeiro impacto virá do aumento dos preços do petróleo no mercado internacional. Ontem, o barril do tipo brent era comercializado a US$ 93,28 no fim da tarde e a expectativa é de que possa chegar a US$ 120, ou o dobro da cotação de US$ 60 o barril de antes do início da pandemia de covid-19. Além do petróleo, a cotação do gás natural deve ser pressionada caso haja corte no fornecimento da Rússia para a Europa em virtude de sanções econômicas. A Rússia é o maior produtor mundial de gás natural. É preciso lembrar que uma das apostas do Brasil para baratear o custo da energia na transição energética são as térmicas a gás natural.
De maneira sensata, o Itamaraty se manifestou de forma favorável a uma solução diplomática para a crise na Ucrânia envolvendo os países associados à Organização do Tratado do Atlântico Norte (Otan) e a Rússia. É a melhor postura para evitar impactos diretos de sanções econômicas aplicadas ao governo Vladimir Putin. Preserva ainda uma tradição da diplomacia brasileira de se pautar sempre pelas negociações e busca de acordos internacionais. Essa postura evitará respingos maiores sobre o Brasil de um possível conflito armado a 10.680 quilômetros de distância do nosso território.
Na conta do impacto na inflação entra ainda o aumento nos preços do trigo, uma vez que Rússia e Ucrânia respondem por cerca de 30% do trigo mundial, o que deve afetar a oferta e elevar o preço do grão. O que se pode imaginar é que combustíveis, energia elétrica e alimentos continuem pressionado os índices de inflação no Brasil. O mercado financeiro, semana a semana, eleva suas projeções para o IPCA, que, de acordo com o último Boletim Focus, está em 5,56%. Mas já há setores projetando 6% de inflação para este ano. Essa, sim, será uma guerra a ser travada pela equipe econômica para minimizar o impacto da crise na Ucrânia sobre os preços internos no Brasil. Como o Ministério da Economia tem deixado essa luta apenas com o Banco Central, os juros vão continuar subindo e podem abater o otimismo do ministro da Economia, Paulo Guedes, que insiste em afirmar que a economia brasileira vai crescer este ano.
Outro impacto do aumento dos preços do petróleo poder ser a anulação dos efeitos das medidas discutidas no Congresso para buscar um corte no valor dos combustíveis nos postos de abastecimento. Apenas no ano passado, o petróleo teve alta de 57% e, caso chegue a US$ 120, terá sido reajustado em mais 48% em relação à cotação de US$ 81 o barril do tipo brent no fim do ano passado. Nesse caso, é preciso que o Congresso Nacional discuta, de forma madura e responsável, as medidas em pauta para beneficiar os consumidores. Podem tirar caixa dos estados e não conseguir que a gasolina fique mais barata nos postos.
Com o mundo em conflito, o Brasil não conseguirá escapar das consequências indiretas. Embora a Rússia represente apenas 0,6% das exportações brasileiras, é um grande mercado para produtos brasileiros como carne bovina, soja, frango e açúcar. Nesse momento, é preciso que o Brasil e suas instituições atuem de forma prudente e responsável. Prudente para se manter firme no propósito de negociação entre as partes, evitando se posicionar para um lado ou outro. E responsável para medir as consequências de medidas que possam ser tomadas agora, antes de que se tenha uma visão mais clara de como serão encaminhadas as tensões no Leste da Europa, e que deixem sequelas na já fragilizada economia brasileira.
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