Liberalismo

Elton Doeler: Mercado livre, pero no mucho

Correio Braziliense
postado em 23/02/2022 06:00
 (crédito: Ed Alves/CB/D.A Press)
(crédito: Ed Alves/CB/D.A Press)

Elton Doeler - Presidente da Associação Brasileira da Indústria do Arroz (Abiarroz)

A tão propalada abertura comercial está longe de ter efetividade nas relações entre os países, servindo mais para ornar discursos do que como indutor do desenvolvimento econômico alicerçado no liberalismo. Tanto que, ainda hoje, convivemos com inúmeras barreiras que não só tonificam o protecionismo como subtraem das populações o direito de ter acesso a produtos de diferentes origens, especialmente os alimentícios. É o legítimo faz de conta: o mercado livre, pero no mucho.

O arroz brasileiro é um exemplo do quanto o protecionismo é nocivo. Somos um dos maiores produtores mundiais do cereal, com altíssima qualidade e sanidade, temos uma indústria moderna, eficiente e sustentável e disponibilidade de matéria-prima para atender a demanda nacional e internacional, mas nossas exportações ainda são limitadas pela superproteção imposta por taxas, sobretaxas e regulações. Em razão disso, perdemos mais de US$ 126 milhões/ano no comércio global.

Esse cenário não é prejudicial apenas ao setor produtivo, mas também aos consumidores, limitando o poder de escolha. Além disso, a excessiva proteção, muitas vezes injustificada, contribui para aumentar a fome nos países mais pobres, restringindo o acesso a um dos bens mais essenciais à vida: a alimentação.

A tendência de superproteção ao produto com valor agregado e os incentivos à importação de matéria-prima são fatores de distorções no comércio mundial, prejudicando países produtores agrícolas como o Brasil.

O protecionismo não é exclusivo de economias desenvolvidas. O México, por exemplo, estabelece uma cota anual de importação de arroz — em 2021, ela foi aplicada somente para o arroz em casca. Assim, somos taxados em 16% em todas as vendas para o país, inviabilizando nossas exportações de arroz beneficiado.

Imaginem quanto os mexicanos se beneficiariam se tivessem à disposição um arroz 16% mais barato — não somente do arroz, mas diversos produtos que poderiam ter suas tarifas de importação eliminadas com um acordo abrangente de comércio.

Situação ainda pior ocorre na Nigéria, que proibiu o acesso ao mercado de câmbio para o pagamento de importações de arroz, e as importações marítimas, fazendo com que o Brasil deixasse de exportar cerca de US$ 600 milhões do produto àquele país entre 2013 e 2020. Quem paga a conta é o consumidor nigeriano, com inflação gigantesca e o aumento da fome, aprofundando as desigualdades sociais e a insegurança alimentar.

Com inúmeras travas no comércio, inclusive arrastadas pela desatualização das regras do comércio internacional, seguimos tolhidos do pleno exercício de nossa vocação de grande fornecedor de alimentos do planeta. Embora tenhamos um potencial natural enorme, safras volumosas e sejamos competitivos, ainda somos exportadores de matérias-primas não processadas e sem qualquer agregação de valor, reféns de um modelo colonial que persiste mesmo após quase 200 anos de independência.

O protecionismo é incompatível com a globalização. O unilateralismo inviabiliza o acesso das populações, especialmente as mais pobres, aos alimentos de qualidade e retarda o avanço sustentável das economias em desenvolvimento, retirando-lhes a capacidade de gerar mais emprego, renda e inclusão social.

Não bastasse tudo isso, ainda passamos a enfrentar, com a pandemia de covid-19, problemas na logística internacional. A falta de navios e contêineres resultou na alta expressiva dos preços do transporte marítimo — setor de grande concentração —, inibindo o comércio entre países.

A Abiarroz acredita no liberalismo econômico e entende que esse é o caminho para um fluxo mundial equilibrado, que nos leve ao desenvolvimento sustentável econômico e social. O livre comércio só pode ser praticado em um ambiente com abertura efetiva, de preferência negociada, no qual prevaleçam as aptidões e competitividade de cada país.

Não podemos deixar de lado também as melhorias que precisamos fazer no nosso país. Concomitante com o maior compromisso de inserção internacional, esperamos que o início das negociações para a entrada do Brasil na OCDE seja um marco para melhorar o ambiente de negócios. Com as mudanças necessárias, nossa agroindústria terá ainda mais protagonismo na garantia de segurança alimentar mundial.

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