Milhares de policiais tomaram ontem as ruas de Belo Horizonte, capital mineira, para cobrar do governador do estado, Romeu Zema, o cumprimento de acordo fechado em 2019 para reajustes salariais da categoria: seriam 13% em 2020, 12% em 2021 e 12% em 2022. Ainda que a manifestação tenha sido pacífica, ficou evidente que as forças estaduais de segurança estão dispostas a partir para o confronto em um ano de eleição, com riscos de motins que ameaçam a democracia. É direito de qualquer trabalhador pedir correção dos contracheques, mas, no caso dos que usam fardas, o posicionamento civil deve se manter do lado de fora dos quartéis.
Nos gritos de guerra nas ruas, policiais militares, policiais civis e agentes penitenciários explicitaram que a manifestação foi só o primeiro passo da pressão que será feita. Tudo, segundo eles, dependerá do comportamento do governo estadual, que diz não ter recursos para recompor os vencimentos de servidores — não neste momento. No início da noite, anunciaram greve a partir de hoje. Os atos dos agentes de segurança têm total apoio do comandante da Polícia Militar de Minas Gerais, coronel Rodrigo Souza Rodrigues. Os fardados se sentem legitimados para ameaçar o governador e colocar em xeque a autoridade que ele tem sobre as forças. Um dos suportes da hierarquia foi quebrado.
Não é de hoje que vem se construindo um ambiente de confronto entre as forças policiais estaduais e os governadores. Esse quadro preocupante tem como um dos principais pilares o bolsonarismo, que vê nesses grupos uma base importante para movimentos autoritários. Mais do que as Forças Armadas, são os quartéis, sob o comando dos estados, os focos prioritários do atual ocupante do Palácio do Planalto, por causa da fragilidade no comando das tropas. No Exército, na Marinha e na Aeronáutica, a hierarquia é muito mais rígida. Os ocupantes dos cargos do alto escalão mantêm rígido controle dos subordinados. O mesmo não se vê nas forças de segurança estaduais.
Isso mostra o grau de deterioração político-partidária e ideológica nas polícias militar e civil. A adesão ao bolsonarismo vai dos praças aos comandantes, o que amplia o risco de uma insurgência antidemocrática. Não há mais constrangimento dentro das corporações, que têm a missão de proteger a democracia e a Constituição. As rebeliões dentro dos quartéis têm se tornado frequentes. Houve no Espírito Santo e no Ceará. Em São Paulo, no ano passado, às vésperas do Sete de Setembro, um coronel foi afastado de suas funções por incentivar, pelas redes sociais, ataques ao Supremo Tribunal Federal (STF). Se não tivesse agido de forma tempestiva, o governador João Doria teria perdido o controle total de sua polícia.
As regras das Polícias Militares são claras. Fardados da ativa, independentemente de suas preferências políticas, não podem se engajar em atos políticos. Não podem estimular a ruptura democrática. Especialistas dizem que, dado o enfrentamento que se vê em Minas, outras corporações se sentirão fortalecidas para o confronto. Não que eles liderem ações de arma em punho em descumprimento às regras constitucionais. Há, no horizonte, a possibilidade de que as tropas fechem os olhos em situações de extrema violência lideradas por grupos extremistas, como, por exemplo, tentativas de invasões a tribunais e ao Congresso por causa das eleições.
A radicalização está clara. É urgente despolitizar as polícias.
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