Lucia Teixeira - Presidente do Semesp, entidade que representa mantenedoras de ensino superior no Brasil
O Brasil necessita, urgentemente, de uma política pública direcionada para o financiamento da educação superior. Nos últimos anos, a sociedade brasileira conviveu com uma expressiva diminuição dos programas de financiamento estudantil do governo, e essa situação dificulta ao pais alterar, no futuro próximo ou distante, seu atual quadro de dificuldades, uma vez que a educação superior é um investimento em capital humano que oferece retorno em termos de produtividade da economia.
Os números mostram, claramente, o tamanho da redução. O total de vagas oferecidas pelo Fundo de Financiamento Estudantil (Fies) caiu de 875 mil, em 2013, para apenas 93 mil em 2021. A queda do número de bolsas concedidas pelo Prouni também foi significativa: as 252 mil bolsas de 2015 foram reduzidas para 166 mil em 2020. Desse modo, com um índice de apenas 18,1% de taxa de escolarização liquida, o Brasil se mantém longe da meta estabelecida pelo Plano Nacional de Educação de um terço de matriculas da população de 18 a 24 anos na educação superior até 2024.
Esse quadro é reflexo, não apenas de um acentuado esgotamento fiscal por parte do Estado brasileiro, mas, principalmente, da falta de uma visão mais objetiva em relação à solução capaz de garantir o acesso da população brasileira, jovem e adulta, às instituições e às carreiras do ensino superior, e, especialmente, das camadas menos favorecidas. No entanto, essa solução existe! Um sistema de crédito educacional atrelado à renda futura do estudante, a exemplo do que vem sendo feito, desde 1989, pela Austrália.
A adoção dessa modalidade de crédito pressupõe que o governo entenda o financiamento estudantil não como um programa de oferta de bolsas não reembolsáveis, mas como um investimento que não tem impacto sobre os gastos governamentais e não gera desequilíbrio para as contas públicas, uma vez que o recurso alocado provocará apenas um momentâneo desencaixe de uma verba que será reposta ao final do processo.
Esse modelo de financiamento estudantil, muito mais justo em termos sociais, estabelece condições de amortização em que as pessoas mais bem-sucedidas no mercado de trabalho pagam mais rapidamente a sua dívida, ao contrário das pessoas que forem menos bem-sucedidas. Os alunos quitam as parcelas de maneira proporcional aos rendimentos que apresentem. Se ficarem desempregados ou sem renda, não precisam pagar naquele período, sem que tenham seus nomes negativados.
É preciso considerar que, de acordo com dados da Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios (Pnad) do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), mais de 90% dos alunos do ensino superior privado, segmento que oferece 75% das matriculas acadêmicas no país, pertencem às classes C, D e E. E são esses alunos que dependem de financiamento para conseguir estudar, porque o acesso à universidade pública é extremamente restrito, e mesmo a adoção do sistema de cotas não contempla as demandas dos jovens pertencentes a essas classes.
Com a adoção de um sistema sustentável de empréstimos condicionados à renda, auditado pela Receita Federal, se um aluno não conseguir pagar o curso superior, ele solicitará ao governo o crédito para pagar essa dívida no futuro. E, quando se formar, se não conseguir atingir um limite mínimo de renda para cobertura das suas necessidades básicas, ele não pagará nada. Quando receber uma renda factível, o aluno passará a ser descontado gradualmente, e a quitação das parcelas da dívida ajudará a recompor os recursos do sistema e, assim, beneficiar outros estudantes que receberão o financiamento.
Na Austrália, esse modelo de financiamento consegue efetivamente aumentar o acesso dos alunos de baixa renda à educação superior. Menos de 10% deles não conseguem pagar a dívida do empréstimo estudantil, e a maioria dos graduados que obtém um emprego depois de se formar (72%) chega ao limite de renda estabelecido.
Nunca foi tão necessário o estabelecimento de uma política pública para o Brasil expandir as oportunidades de inclusão e equidade social no ensino superior. Mas, para isso, o financiamento da educação superior não deve ser visto apenas sob o aspecto da gestão financeira, nem ser resolvido por meio de propostas de anistia, como a da Medida Provisória que começará a tramitar no Congresso Nacional. Precisamos de uma política pública que seja efetiva, para permitir que a população brasileira receba a formação e a capacitação necessárias para ampliar o seu potencial produtivo e, dessa forma, colaborar para o tão almejado desenvolvimento econômico e social do país.
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