opinião

Visão do Correio: Vacina, ciência e  reconhecimento

Correio Braziliense
postado em 21/02/2022 06:00
 (crédito: Javier TORRES / AFP)
(crédito: Javier TORRES / AFP)

Um cansaço “coletivo” diante da persistência necessária das restrições para combate à pandemia de covid-19 foi identificado, recentemente, pelo presidente da França, Emanuel Macron, como explicação para os protestos que pediram a suspensão de protocolos sanitários contra o coronavírus, na própria França, Holanda e Canadá. A nova onda, que abre a guarda para o negacionismo quando o número de mortes voltou a crescer e a preocupar, vale também, como em vários outros países, para o Brasil, de um pretenso direito cidadão de recusa às vacinas.

A crença de que se pode rejeitar a imunização pelo direito de livre arbítrio próprio do ser humano resvala, ainda, na rejeição ao passaporte sanitário e em cuidados mais básicos, como o uso de máscaras de proteção. Há equívocos na base desse entendimento, já destacados por especialistas da área da saúde e advogados dedicados ao direito sanitário.

Não há dúvida de que o controle epidemiológico de doenças transmissíveis que as vacinas proporcionaram resultou de grande desenvolvimento científico e da saúde pública. O que esteve em jogo nesses casos, e, em meio a pandemias, foi o direito coletivo à saúde, à medida que houve demandas de políticas sanitárias preventivas contra doenças. O avanço obtido nas pesquisas somente beneficiaria a sociedade e cada um dos cidadãos se houvesse adesão em massa às vacinas, e é função do poder público estimular essa adesão pelo bem coletivo, sem esperar comprometimento por consciência e iniciativa voluntária.

O Supremo Tribunal Federal confirmou essa premissa em decisão do ministro Ricardo Lewandowski, que proibiu o governo de usar o canal Disque 100 “fora de suas finalidades institucionais”. O sistema havia sido disponibilizado para a coleta de queixas de pessoas que condenam a vacina contra a covid-19. Lewandowski baixou mais uma decisão, ordenando a modificação de duas notas técnicas do governo que desestimulam a imunização de crianças, sendo uma delas emitida pelo próprio Ministério da Saúde e outra pela pasta da Mulher, Família e Direitos Humanos. O magistrado destacou que a Corte deve preservar os direitos de crianças e adolescentes.

O entendimento que melhor define a questão dos direitos da saúde foi anunciado pelo diretor-geral da Organização Mundial da Saúde, Tedros Adhanom Ghebreyesus. Ele esclareceu que o mundo poderá conter, este ano, o avanço da variante ômicron do coronavírus e o surgimento de outras mutações desde que a imunização atinja 70% da população do planeta. Na semana passada, 79,1% dos brasileiros já haviam recebido a primeira dose e 70,96% completaram o ciclo com duas aplicações. A unidade de reforço foi aplicada em 26,57% da população.

A vacinação compulsória não está prevista em legislação brasileira, embora para algumas viagens sejam exigidos determinados comprovantes de vacinação. Contudo, em função da pandemia de covid-19, o STF amparou governos de estados e municípios para que garantissem a imunização obrigatória, justamente com base na teoria do direito coletivo à saúde.

Essencial lembrar alerta da OMS sobre o retorno de doenças que já estavam erradicadas não só no Brasil, devido ao baixo índice de vacinação. São os casos de reaparecimento do sarampo, da poliomielite e da difteria. Antes da pandemia de coronavírus, a OMS já trabalhava com aumento de 30% dos casos de sarampo no mundo. À época, o infectologista Daniel Jarovski, então secretário da Sociedade de Pediatria de São Paulo, observou que além da expansão do movimento antivacinas, influenciam também, na volta dessa doença e na preocupação com a poliomielite, as fake news e a falta de informação. Em relação à difteria, existe a vacina, e as ocorrências da doença vêm alertando os infectologistas.

As notícias falsas e falta de conhecimento têm atrasado a imunização de crianças de 5 a 11 anos. Segundo o próprio Ministério da Saúde, somente 20% do público infantil foi imunizado contra a covid-19 passado um mês do início da campanha de aplicação do imunizante.

A ciência precisa se fortalecer e melhorar a forma como se comunica com a sociedade. Por sua vez, o poder público tem a sua parcela de responsabilidade nisso, tanto apoiando, quanto financiando o desenvolvimento científico. Mais recursos têm de ser destinados à pesquisa científica, assim como a sociedade precisa reconhecer o valor dos profissionais da ciência.



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