ALMIR PAZZIANOTTO PINTO - Advogado. Foi Ministro do Trabalho e presidente do Tribunal Superior do Trabalho
O Brasil é o único país cujo mercado de trabalho é legalmente dividido entre a classe dos trabalhadores formais, com Carteira de Trabalho e Previdência Social anotada, e a subclasse dos trabalhadores informais, sem registro na CTPS. O documento no passado denominado Carteira Profissional foi criado pelo Decreto nº 21.175/1932, baixado por Getúlio Vargas como Chefe do Governo Provisório, cargo que assumiu como líder da Revolução de outubro de 1930.
As raízes da carteira profissional são reveladas no livro A Revolução Bolchevique, de Edward H. Carr. Registra o historiador inglês que, "com o decreto de 29 de outubro de 1918, as bolsas de trabalho foram transformadas em órgãos locais de Narkomtrud (Comissariado do Povo do Trabalho) e tornaram-se o único e obrigatório canal de emprego, quer para o trabalhador quer para o patrão (...)". A seguir, acrescenta: "A todos os membros da burguesia, entre os 14 e os 55 anos, era fornecida uma 'caderneta de trabalho'; esta tinha de ser apresentada para obtenção de senhas de racionamento ou de transporte, e era válida para este fim somente se provasse que o titular exercia um trabalho socialmente útil" (Ed. Afrontamento, Porto, s/d, vol. II, pág. 222).
O modelo soviético foi copiado pela Alemanha nazista, que adotou a carteira de trabalho em 1935, conforme se lê em Ascensão e Queda do Terceiro Reich (Willian L. Shirer, Ed. Civilização Brasileira, RJ, 1977, vol. I, pág. 394). Nenhum trabalhador obteria emprego se não possuísse a sua, onde estavam registrados, além dos dados pessoais, as aptidões e os empregos.
O registro na CTPS é oneroso. A ausência, entretanto, expõe o empregador a pesadas condenações, quando acionado na Justiça do Trabalho. Segundo todas as análises feitas por especialistas, o empregado registrado custa pelo menos o dobro. Se o salário contratado é de R$ 10 por hora, com encargos trabalhistas e sociais, a despesa será de, no mínimo, R$ 20.
A montagem de salão de beleza, pet shop, quitanda, pizzaria, em bairros distantes, onde aluguéis são mais baratos, custará, por hipótese, cerca de R$ R$ 50 mil, com a criação de um ou dois postos de trabalho. Se os ajudantes forem registrados, os custos serão dobrados e transferidos aos clientes. O êxito do negócio depende da qualidade, do preço e do número de fregueses. Se cobrar, acima do praticado no local, desaparecerá, levando consigo os empregos. Microempresas de garagem e fundo de quintal, e lojas de rua com uma ou duas portas, ainda que não registrem, são socialmente úteis e respondem por aproximadamente 60% do mercado de trabalho.
Recentemente, a chinesa Great Wall Motors inaugurou moderna montadora de SUVs, em Iracemápolis, nas antigas instalações da Mercedes-Benz, cuja produção de automóveis no Brasil foi encerrada, para se limitar à fabricação de caminhões e ônibus. O mesmo aconteceu, há pouco tempo, com a Ford. Os investimentos estão orçados em R$ 10 bilhões, com a geração de 2 mil empregos, para a montagem anual de 100 mil veículos. Cada emprego custará, portanto, a bagatela de R$ R$ 5 milhões.
Comparando-se modernas montadoras coreanas e chinesas com antiquadas fábricas de automóveis instaladas nas décadas de 1950 e 1960 em São Bernardo, São Caetano, constatamos a progressiva redução do número de empregados, tendo em contrapartida considerável aumento da produtividade. Em 1960, produzia-se, em média, 3,5 veículos/ano por empregado. Hoje, cada empregado responde por 27,7 unidades.
A oficina de fundo de quintal, o salão de manicure e a loja de rua não suportam tratamento idêntico ao dispensado pela legislação às grandes montadoras e revendedoras, às cadeias de lojas, com filiais nos grandes shoppings centers. São as micro e pequenas empresas, porém, as maiores geradoras de emprego, padecendo, todavia, de elevada taxa de mortalidade infantil. Morrem antes de atingirem cinco anos.
O passivo trabalhista é superior a 12 milhões de desempregados. Grandes empresas investem em tecnologia para substituir a mão de obra. Embora necessárias, não bastam para resolver o dramático problema. Registram, mas eliminam postos de trabalho. Insistimos em sujeitar micro e pequenos empresários a insuportáveis obrigações trabalhistas. A solução consiste na aprovação de legislação diferenciada. Tudo aquilo que não for essencial ao trabalho decente e à preservação da dignidade humana ficará por conta de negociações diretas ou de acordos coletivos de trabalho. Como nos países adiantados.
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