Os alertas de desmatamento na área da Amazônia Legal bateram recorde em janeiro e chegaram a 430 quilômetros quadrados, número quatro vezes maior do que em janeiro de 2021, segundo dados do Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (Inpe). O avanço do desmatamento está associado ao desmonte da estrutura de fiscalização com o esvaziamento do Ibama e do ICMBio. É uma situação que impacta diretamente a visão do mundo em relação ao Brasil, que se especializou em exportar commodities. Principalmente as agrícolas. Os alertas vêm sendo feitos nos últimos anos: os países compradores podem adotar restrições ao agronegócio brasileiro em função de problemas ambientais. É nosso calcanhar de Aquiles, usado por concorrentes do nosso agronegócio para pressionar o Brasil nas suas pretensões internacionais em relação à participação em órgãos multilaterais e acordos comerciais entre blocos econômicos.
Basta lembrar que o presidente Jair Bolsonaro comemorou com pompa e circunstância o acordo fechado em junho de 2019 — primeiro ano do seu governo — entre a União Europeia e o Mercosul, com previsões de que o pacto seria suficiente para incrementar o Produto Interno Brasileiro (PIB) em US$ 87,5 bilhões, o que, ao câmbio atual, corresponde a R$ 453 bilhões, em 15 anos. Pelo menos três desses 15 anos se passaram sem que o acordo saísse do papel. E um dos principais pontos é a resistência de países da Europa (leia-se França e Alemanha) em aprovar a adesão ao termo sem que o Brasil dê garantias de combate ao desmatamento. E aqui não adianta o discurso do governo, são cobradas ações.
A viagem do presidente Bolsonaro à Rússia, onde desembarcou ontem, não tem nada a ver com a tensão na Ucrânia envolvendo o país e os membros da Otan, liderados pelos Estados Unidos e a Inglaterra, mas sim com a busca de garantia de fornecimento de fertilizantes para o Brasil. A Rússia responde por 30% das importações brasileiras de insumos para produção agrícola e, a exemplo de China, Índia e Turquia, impôs restrições às exportações para atender seu mercado interno. Esse movimento foi intensificado exatamente entre setembro e outubro do ano passado, mesmo período em que a viagem do presidente para a Rússia foi agendada.
Como os russos respondem por apenas 0,6% das exportações brasileiras, pode até ser celebrado algum acordo envolvendo incremento comercial, mas sem uma garantia de fornecimento de fertilizantes, a viagem resultará apenas no risco para a imagem do Brasil diante dos países europeus e dos Estados Unidos, dificultando ainda mais qualquer agenda de maior inserção do país no comércio global, que hoje é de apenas 1%. Isso explica a necessidade de o Brasil buscar uma maior participação no fluxo mundial de produtos e serviços como forma de se desenvolver e se colocar como importante player mundial e não apenas como exportador de bens primários, sejam eles minerais ou agropecuários.
O movimento do presidente Bolsonaro em buscar uma solução para os preços internos dos alimentos em ano eleitoral faz sentido. Fertilizantes mais caros vão encarecer o plantio das safrinhas neste início de ano e das culturas de inverno, elevando os valores dos alimentos na mesa dos brasileiros, mas o resultado pode não ser suficiente para evitar inflação interna e a visita se tornar mais um ponto contra os interesses do Brasil em relação a acordos comerciais e, principalmente, com relação aos Estados Unidos e à União Europeia, segundo e terceiro maiores mercados para produtos brasileiros.
Com aumento do desmatamento na Amazônia e os fatores que geraram a crise internacional dos fertilizantes persistindo, a viagem presidencial a Moscou pode se tornar apenas mais um ingrediente nas barreiras ao acordo UE e Mercosul e à entrada do Brasil na Organização para Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE), o clube dos países ricos, do qual o Brasil é parceiro-chave desde 2007. Se, para o agronegócio brasileiro, a agenda na Rússia pode representar algum ganho, para a imagem do Brasil perante o mundo, não.
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