A prática de monitoramento de futuros possíveis tem se tornado ferramenta valiosa para antecipação de mudanças e rupturas que possam ocorrer na sociedade, com mapeamento de oportunidades, ameaças e riscos que demandem atenção, planejamento e capacidade de resposta. Diversos países realizam tais monitoramentos, privilegiando temas como mudança demográfica, escassez de recursos naturais, mudanças climáticas e inovação — com destaque para impactos de tecnologias emergentes e suas futuras aplicações.
Iniciativas de Monitoramento do Horizonte Tecnológico (do inglês Technology Horizon Scanning) têm se tornado especialmente importantes em função das mudanças que ocorrem em prazos cada vez mais curtos nos campos da ciência e da tecnologia. Por isso, sistemas de varredura sistemática do horizonte tecnológico surgem para alertar governos, organizações e empresas de possibilidades de rupturas e seus riscos, permitindo ajustes tempestivos em infraestrutura, formação de competências, políticas, regulamentos etc.
A União Europeia conta com sofisticados mecanismos de inteligência tecnológica — como o Painel para o Futuro da Ciência e Tecnologia (STOA), órgão oficial do Parlamento Europeu que atua desde 1987 em monitoramento de tecnologias emergentes e seus impactos. Sua função é orientar as comissões do Parlamento Europeu no seu papel de decisão política em temáticas tecnológicas. Para suas análises, o STOA conta com institutos de pesquisa, universidades, consultorias, pesquisadores individuais, além de fontes de conhecimento em todo o mundo.
Por meio de tal mecanismo, a União Europeia conta com estudos de futuro que cobrem não só temas do momento, como o mundo pós-covid-19 e a emergência da bioeconomia, mas também da possibilidade de múltiplos futuros disruptivos. Tais estudos identificam desafios emergentes e possíveis descontinuidades, além de suas interdependências e interconexões. Sinais de riscos fracos ou precoces são capturados e analisados, incluindo aqueles à margem das percepções e dos pensamentos correntes, que podem produzir alto impacto caso ocorram.
À semelhança da União Europeia, organizações e países também contam com sistemas de inteligência que geram regularmente resultados e recomendações a partir de estudos de futuro. Por exemplo, o Fórum Econômico Mundial (WEF) mantém uma plataforma de inteligência estratégica para facilitar a compreensão das forças complexas que impulsionam transformações nas economias, indústrias e temas de interesse global. Canadá, Cingapura e Reino Unido são exemplos de países que contam com plataformas oficiais de inteligência dedicadas a ajudar seus governos a planejar e antecipar respostas à perspectiva de futuros cada vez mais desafiadores.
Tais plataformas de inteligência são também essenciais para a busca de soberania tecnológica, um tema que vem ganhando grande visibilidade em muitos países em função da pandemia de covid-19, que tem produzido grande impacto em muitas cadeias de valor e em diversos setores da economia. Com a crise, muitos países estão se dando conta da importância de conquistarem independência tecnológica em setores estratégicos, em especial aqueles que impactam diretamente a prosperidade da sua indústria e o bem-estar de seus cidadãos.
Independência tecnológica depende de persistente investimento em pesquisa e desenvolvimento (P&D), formação de competências e fortalecimento da base de conhecimento em áreas críticas. Países que almejam soberania tecnológica em determinados setores precisam conquistar e preservar liderança no desenvolvimento de tecnologias que viabilizem a transformação de conhecimento em produtos competitivos no mercado. Capacidade regulatória é igualmente importante, para viabilizar políticas, padrões e práticas coerentes com as necessidades e exigências das cadeias de valor e mercados globais, sem os quais as inovações não ganham competitividade.
O Brasil poderia se beneficiar enormemente de um sistema de inteligência robusto dedicado à conquista e ao fortalecimento de sua independência tecnológica em setores estratégicos. Este é um imperativo, considerando o tamanho, a importância e a exposição da economia brasileira a uma realidade global extremamente competitiva e volátil. E este é um imperativo também frente às estatísticas, que há anos demonstram a baixa produtividade e competitividade da indústria brasileira, que tem crescente dificuldade de enfrentar a concorrência dos competidores estrangeiros, tanto no mercado doméstico quanto no internacional.
Mesmo o agronegócio — setor competitivo da economia brasileira que conta com inovações desenvolvidas pela Embrapa, universidades e empresas, além do empreendedorismo dos produtores — não está livre de riscos e infortúnios. Plantar, colher, estocar e processar safras de forma sustentável demandará máquinas, equipamentos, insumos e serviços cada vez mais sofisticados e intensivos em conhecimento. E o campo precisará, cada vez mais, de competências sofisticadas e do suporte de indústrias modernas capazes de agregar valor, diversificar e especializar a produção agrícola, para conquista de mercados mais exigentes e rentáveis.
O Brasil seguirá sendo uma economia aberta e conectada com o mundo, o que não é incoerente com a busca de independência e soberania tecnológica em setores críticos para o bem-estar da nossa sociedade e a prosperidade da nossa indústria. Liderança visionária e bons sistemas de inteligência serão cruciais, se queremos ganhar capacidade de agir e decidir de forma mais independente no mundo globalizado.
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