PRODUÇÃO AGRÍCOLA

Visto, lido e ouvido: Fartura e fome na terra do nunca

Circe Cunha
postado em 11/02/2022 06:00
 (crédito: Breno Fortes/CB/D.A Press)
(crédito: Breno Fortes/CB/D.A Press)

Com uma expectativa de aproximadamente 300 milhões de toneladas de grãos para a safra 2021/2022, o Brasil repete, ano após ano, recordes de produção agrícola, numa média de 10% a 15% de aumento das áreas de plantio anual, o que configura nosso país como um celeiro mundial. Em 2021, a produção brasileira de proteína animal, a despeito da pandemia, registrou outro recorde seguido, com 14,3 milhões de toneladas de carne de frango, 4,7 milhões de toneladas de suínos, somados à produção de 54 milhões de ovos. Ainda em 2020, o rebanho bovino brasileiro foi considerado o maior do planeta, com 217 milhões de cabeças, ou 14,3% do rebanho mundial.

Diante de números dessa magnitude na produção de gêneros alimentícios, o que se pressupõe, à primeira vista, é que toda essa fartura beneficie diretamente os brasileiros, fazendo de nossa gente uma das populações mais bem alimentadas do planeta Terra.

Da perspectiva dos números superlativos da agricultura e mesmo da balança comercial, o cidadão brasileiro comum vive numa eterna e pantagruélica dieta diária, com mesa farta e variada, graças aos baixíssimos preços dos alimentos à disposição de todos em feiras e supermercados. Nada mais enganoso do que esse retrato idílico, propagandeado pelos produtores de grãos e carne.

Por trás dos números que anunciam seguidos recordes de produção agropecuária, há uma população faminta, composta por dezenas de milhões de brasileiros que buscam, diariamente, nos contêiners de descarte dos supermercados e no lixo, algum alimento capaz de prolongar-lhes a vida até o dia seguinte.

Quem viaja por esse imenso país, observando os campos sem fim, tomados por monoculturas transgênicas de milho, soja, algodão, todas elas pulverizadas intensamente pelos mais poderosos agrotóxicos inventados pelos laboratórios multinacionais, estranha ao verificar que, por trás desse cenário de ficção, há a realidade da fome para desdizer tudo o que é visto.

O mesmo ocorre com a pecuária, cujos gigantescos latifúndios seguem, década após décadas, avançando sobre matas nativas, destruindo tudo em volta, reduzindo a vida natural à áridas extensões de pastagens, degradadas e irreversivelmente recuperáveis. Contudo, todo o subproduto desse portento agrícola, que chama a atenção de muitos países, não tem o condão de esconder a multidão de famintos, talvez, por uma simples e prosaica razão: toda essa produção, capaz de trazer superavits seguidos na balança comercial, se insere dentro do que ficou denominado de agrobusiness, uma atividade da economia, que, na prática, não produz alimentos, propriamente dito, e, sim, lucros para seus operadores diretos, sendo a maior parte dessa produção destinada ao mercado externo, que cota esses preços em dólares.

É isso que ocorre, num retrato preto e branco, com o agronegócio. O resto é tentativa de explicação, num economês ilusório, capaz de encher laudas e mais laudas com números, mas incapaz de colocar um grão sequer no prato dos famintos que não param de crescer.

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