Vidas negras: quem se importa? Um homem volta do trabalho para casa e é alvejado três vezes por um oficial branco das Forças Armadas do Brasil, sem que houvesse qualquer motivação para a morte provocada. Um jovem migrante congolês, sozinho e desarmado, reivindica o pagamento de uma dívida e como resposta recebe um covarde linchamento que culmina em assassinato. 'Quantas estradas deve um homem percorrer até ser considerado humano? Se você é preto, é melhor não sair às ruas, a menos que queira problemas'.
Quem sabe um dia o poeta componha um canto de redenção e cure para sempre as chagas do racismo, abertas e persistentes no corpo do mundo. E possa a voz da diva imortal ecoar a melodia que clama por respeito para que a 'carne mais barata do mercado' não seja 'a carne negra'. Ainda existe esperança, e ela vem dançando ao som de tambores ritmados pelas palmas brancas de mãos tão pretas.
Destes pulsos firmes e hábeis brotaram tantos jardins. Campos semeados sob açoite, que geraram a riqueza de uma nação. Se a Justiça não fosse uma anedota a serviço dos senhores coloniais, o moleque alucinado na rua, enfim, teria um lar. Talvez, o 'trombadinha cresça e vire político', mas, se tudo der certo, será trancado antes em uma jaula neste zoológico bancado pela sociedade. Vidas negras: quem se importa?
'Vocês não estão entendendo nada. Absolutamente, nada!'. O brado tropicalista se converteu em lágrimas após a notícia. O Haiti é logo ali. Aqui, vários 'brancos são quase pretos, de tão pobres'. E os 'podres poderes ainda matam de fome e de sede', enquanto distribuem armas como solução para a violência e a insegurança diárias. Quem sabe, de graça, acertem mais um negro, um índio, um homossexual ou uma mulher... É fácil banquetear-se de hóstia. Raros colocam os Evangelhos em prática.
Vamos embora desta cidade, voltaremos para o Sertão. Não é fuga, mas um autoexílio, de quem não suporta mais opressão. Com a preta que beijei em praça pública, cultivaremos pomares com sementes crioulas e ergueremos castelos sustentáveis de barro para abrigar nossa descendência. Retornaremos triunfantes, com saberes de abundância, alegria e saúde para salvar a terra devastada por homens sem fé, que apenas servem ao capital.
Aos cães de guerra, respondam com arte, beleza e amor. O sonho do 'velho preto de barba branca era ganhar um sorriso incolor'. A vida é luta. Resistir, uma necessidade urgente, assim como o carnaval. A festa foi cancelada, adiada, mas haverá de evoluir pelas avenidas da vida. Um dia a gente educa essa elite parva, que aprenderá a bailar.
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