Visto, lido e ouvido

Artigo: Um futuro distópico

Circe Cunha
postado em 03/02/2022 06:00

Pesquisa de opinião pública, realizada há dois anos pelo Instituto DataSenado, mostrou que existe no Brasil uma forte e crescente influência das redes sociais como fonte de informação para os eleitores. De acordo com o levantamento, nada menos do que 45% dos eleitores ouvidos confessaram que, cada vez mais, buscam nas mídias sociais, as informações que necessitam para decidir como orientar o voto.

Outro dado interessante, levantado pelo estudo, mostra que o conteúdo veiculado nas redes sociais tem grande influência sobre a opinião dos indivíduos. Essa atuação é observada, sobretudo, entre aqueles com escolaridade superior. Se tal fenômeno significava, nas últimas eleições, que metade dos brasileiros, com acesso à internet votava considerando importância direta do que consumiam nas mídias sociais, a possibilidade de haver mais de 50% dos cidadãos votando no pleito deste ano é bastante certa.

Tal realidade indica que o mundo virtual, esse oceano infinito de informações — verídicas, ou não — passou a ser decisivo não só nas eleições de outubro, mas na condução de candidatos que sabem manusear essas mídias. Obviamente, tal abrangência de influência se estenderá ainda para dentro do Estado, interferindo no modelo de democracia que teremos doravante, todo ele ligado e dependente das novas mídias. Com isso, os debates tête-à-tête, o exercício mercadológico dos marqueteiros políticos, os comícios ao vivo e outras modalidades dentro das disputas eleitorais perdem fôlego e vão sendo deixados de lado.

Não será surpresa se o próximo passo dado para o domínio total das mídias sociais for a votação via internet, por meio de aplicativos. A obsolescência de instrumentos, como a urna física e os locais de votação, deixará de existir, e o destino dos cidadãos será decidido diretamente de casa, via celular. Não será novidade se, lá adiante, o tal do "sistema", ou seja, esse sujeito indeterminado e oculto, fizer parte na gestão do Estado. Assim, o dito "sistema" se tornará o responsável pela qualidade da democracia e pela prestação de serviços por parte do Estado.

A impessoalidade na democracia, ao contrário do que muitos acreditam, não parece, a princípio, que vai melhorar as relações entre o cidadão e o Estado. A suspeita é de que, quando esse dia chegar, a comunicação entre os cidadãos e o poder público será nos mesmos moldes atuais entre os consumidores e as operadoras de telefonia. Até mesmos aspectos que são importantes, como a separação entre os fatos verídicos e as fakes news, deixará de existir, sendo todos os "ruídos de comunicação" atribuídos aos mecanismos do "sistema".

Para o cidadão comum que, afinal, custeará essa entrada das novas tecnologias nas relações políticas com o Estado restará o monólogo de alguém que escuta, do outro lado da linha, que a falta de médicos, de remédios, de professores nas escolas, de água nas torneiras, de luz nas residências, se deve, não à inoperância da política, mas ao "sistema", uma entidade com situação jurídica abstrata, impossível de ser alcançada pelas leis.

Trata-se, aqui, de um futuro que vamos organizando com os pés, uma vez que a cabeça e as mãos estão absorvidas pela internet. O problema é que, quando levantarmos os olhos para o horizonte, o futuro distópico terá chegado com toda a sua crueza e indiferença.

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