Opinião

Educação e consciência negra: para além do 20 de novembro

MARIANA ALMADA - Arte-educadora, fotógrafa e psicanalista

Uma consciência negra e educativa é possível todos os dias? Pensemos no diálogo saudável ao trazer às reflexões, por um lado, a educação e, por outro, o seu poder de abrir caminhos trilhados há — pelo menos — 18 anos da Lei nº 10.639/03. Se uma lei controla, impõe ou obriga, ela também legitima e conforta um determinado segmento social e, posteriormente, surge uma diretriz para orientar ou estabelecer ações sobre a referida norma.

Em 2004, foram publicadas as Diretrizes Curriculares Nacionais para a Educação das Relações Étnico-Raciais e para o Ensino de História e Cultura Afro-Brasileira e Africana. Conforme o documento, é preciso "salientar que tais políticas têm como meta o direito de os negros se reconhecerem na cultura nacional, expressarem visões de mundo próprias, manifestarem com autonomia, individual e coletiva, seus pensamentos" (pg. 10). Frente a esse documento, o que temos a oferecer como profissionais da educação ao olhar para o sujeito que possui sua história, suas marcas e seu cotidiano, no que tange à consciência negra?

O fato é que a escola começa a ter consciência da lei e a agir. Componentes curriculares de história, geografia, artes trazem a questão e a África "passou" a ser mais conhecida. Para além do continente, era preciso um outro tipo de consciência, a negra. E como pensar a consciência negra no contexto escolar? Eis que surge um desafio: é preciso transcender os livros escritos e chegar até a alma, conforme Rubem Alves (2015): "Os livros escritos com sangue mexem com o corpo e a alma. Os outros mexem só com a cabeça".

Então, vem mais um passo. Sair dos livros e ir para a vida. A arte, em sua linguagem específica, vem fazendo essa jornada por meio das músicas, teatros em forma de psicodramas e imagens. Em relação a estas últimas, Nelson Inocêncio enfatiza: "Sem minimizar a cultura escrita, a imagem orienta por uma intenção ou uma reflexão inicial". (2001). Surgem, frente à organização dos trabalhos escolares, as catarses, a coletividade, e com esses, as transferências, recalques, atos falhos e as necessidades das escutas pedagógicas sensíveis.

Como nos diz Franz Fanon (2008): "Em toda sociedade, em toda coletividade existe, deve existir um canal, uma porta de saída, pela qual as energias acumuladas, sob forma de agressividade, possam ser liberadas". São essas forças de trabalho na escola, enquanto retomada de uma consciência negra, que vão abrir as possibilidades de os estudantes buscarem suas subjetividades, suas histórias e, consequentemente, uma escuta generosa e solidária. Ao mesmo tempo, qualificar as pessoas envolvidas com a educação para escutas qualificadas, não do lugar de psicólogos ou psicanalistas, mas do lugar delas mesmas, de modo a estarem sensíveis a isso, significa buscar qualidade de saúde mental para essas pessoas, por meio de políticas que vislumbrem um trabalho de qualidade.

Para tanto, é preciso criar uma identidade própria, onde mulheres e homens negros possam alcançar, como diria Stuart Hall, um "fortalecimento das identidades locais", e a comunidade escolar é um excelente começo. Desta forma, Dias da Consciência Negra acontecerão, com tomadas de consciência de si, do outro ser humano e dos seus desafios. Cada pessoa se sentindo pertencente ao grupo e ao todo, em espaços de trocas e em seus lugares de falas e escutas.

Acabado o 20 de novembro, passaram-se as lives, os teatros, os cartazes, as pessoas da comunidade escolar voltam para aulas comuns. Onde estão os estudantes que participaram desses eventos? Saíram dos seus lugares de protagonismo e viraram novamente os meros espectadores ou vítimas do racismo? Vão-se os cartazes para o lixo, os teatros e as lives para os canais on-line... e você, criança, jovem, pessoa adulta negra que se envolveu no processo, onde está?

A pergunta do divã é: o que nós faremos com isso? A questão que fica é a seguinte: para a próxima sessão, se as pessoas voltaram aos seus comportamentos racistas e você ficou sem vez de fala e escuta. Qual a interpretação que você faz disso? Qual o sentimento de não pertencimento, de não reconhecimento, de não conexão? Bem-vindo, bem-vinda ao dia de amanhã, quando se encerraram as atividades alusivas ao 20 de novembro, mas não acabam aqui, há 365 dias pela frente para somar forças, porque o racismo não dá trégua.

E, para você, que leu e trouxe para si essa reflexão, deixo aqui, parafraseando Carl Jung: você pode sublimar suas ações e seus sentimentos, pode recalcá-los, esquecê-los ou torná-los simbólicos, mas frente às consciências necessárias para uma sociedade em equidade, seja apenas uma alma humana.

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