FERES CHADDAD - Médico, professor e chefe da disciplina de neurocirurgia da Unifesp, coordenador da neurocirurgia da Beneficência Portuguesa de São Paulo
A hipertensão é uma das doenças crônicas com maior prevalência entre a população brasileira, que afeta mais de 38,1 milhões de pessoas adultas (23% da população total do país), como mostra a Pesquisa Nacional de Saúde (PNS) de novembro de 2020. Assim como a alta incidência, os dados alertam que, apesar de estar constantemente relacionada a problemas cardíacos e hepáticos, a hipertensão descontrolada pode provocar comprometimento significativo do cérebro e suas funções.
Essa doença está por trás de cerca de 80% dos casos de acidente vascular cerebral (AVC). Além de também ser responsável pela ocorrência de aneurismas, cegueira, derrames, isquemias, arteriosclerose e demência vascular, novos estudos têm evidenciado outros riscos, especialmente com relação a doenças neurológicas, algo que já temos acompanhado ao longo dos anos no consultório.
O artigo Hypertension-induced cognitive impairment: from pathophysiology to public health, de 2021, é uma das revisões mais recentes sobre a associação da hipertensão com impactos no cérebro. Segundo o estudo, a pressão alta afeta a integridade estrutural e funcional da microcirculação cerebral, causando alterações patológicas nos pequenos vasos, que contribuem para o surgimento de hemorragias, infartos lacunares (silenciosos e capazes de acumular e provocar sequelas a longo prazo), lesões da substância branca (comum na população idosa e principalmente nos indivíduos com fatores de risco cardiovasculares) e aumento do declínio cognitivo.
Consequências cerebrais induzidas pela hipertensão podem ser consideradas como resultado do envelhecimento vascular acelerado pela doença. Outras alterações se associam ao desenvolvimento de placas ateroscleróticas (acúmulo de gordura) em artérias cerebrais maiores, que desregulam o fluxo sanguíneo cerebral e levam a hemorragias ou isquemias.
A pressão alta pode, ainda, bloquear e entupir as artérias, que ficam mais enrijecidas e propensas ao surgimento de AVCs, aneurismas e outras patologias. Em idosos, a doença provoca a má adaptação da circulação cerebral, que resulta em danos à estrutura microvascular, ruptura da barreira hematoencefálica (estrutura que previne a passagem de substâncias do sangue para o sistema nervoso central), estresse oxidativo e defasagem do acoplamento neurovascular.
Vale destacar que a hipertensão descontrolada acelera também o declínio cognitivo, comprometendo a memória, concentração e raciocínio, como aponta a pesquisa da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG), com base no Estudo Longitudinal de Saúde do Adulto — Elsa Brasil. Depois de quatro anos de acompanhamento, 22% dos voluntários que apresentavam pré-hipertensão e 46,8% que eram hipertensos demonstraram significativo declínio cognitivo.
A desatenção aos sintomas neurológicos leves e intermediários, a dificuldade do acompanhamento de pacientes e grupos de risco que não acessam o sistema de saúde e a falta de atendimentos integrais que observem os impactos na saúde de maneira específica, mas abrangente, esconde um problema muito mais expressivo. Parte desses pacientes pode vir a desenvolver manifestações neurológicas tardias e ter o processo terapêutico impactado.
Implementar centros de triagem neurológica em hospitais e postos de atendimento é urgente. O acompanhamento longitudinal, com equipes multidisciplinares e check-ups médicos regulares, é fundamental para todos os pacientes acometidos por doenças como a hipertensão. Incluir avaliação neurológica para examinar vários domínios cognitivos pode identificar alterações neurológicas, de maneira precoce, e assim trabalhar na redução da incidência de danos graves e riscos futuros.