Muito se disse sobre Elza. E Elza disse e diz muito sobre nós todas ao longo das décadas em que nos premiou com sua existência. Elza Soares, 91 anos, não foi a cantora que nos embalou com melodias doces. Foi a mulher que todas nós, que convivemos neste tempo e espaço, também foi, é e será. A mulher do passado, do presente e do futuro que queremos ter e ser. Acima de tudo, como um símbolo de resistência.
Plural, forte, sofrida, sorridente, talentosa, múltipla, batalhadora, sobrevivente, sambista, musa. Com sua voz rouca, potente e tão dela. Com sua postura e atitude diante da vida. Com suas reações, brados e canções diante da violência doméstica, do machismo, da intolerância religiosa, do racismo e do conservadorismo social. Não, Elza não foi só uma artista. Elza foi e é um coletivo. Todas nós.
Não, nem todas nós viemos como ela, do Planeta Fome, como relatou ao se apresentar no programa de calouros de Ary Barroso. Nem todas nós sofremos os abusos que ela sofreu, nem as provações pelas quais passou e que não a impediram de florescer em tantos e tantos verões, sobretudo ao lançar o álbum Mulher do Fim do Mundo, que a reapresentou às novas gerações e a elevou como um dos grandes talentos da humanidade.
As que gozam da condição de privilégio se reconhecerão nela pela inspiração de uma mulher que tinha tudo para sucumbir às violências diversas e não o fez. Elza nos dizia, mesmo quando não tinha intenção: "Seja forte, vá à luta, fale do preconceito, reaja, levante".
As que vivem ou viveram a realidade que ela viveu — e são tantas vítimas de violência doméstica, de mulheres pretas chefes de família, de gente que passou fome, que perdeu filhos e amores, que foi vítima de preconceito e de tantas outras maldades — certamente essas tantas mulheres enxergam luz em Elza, força, presença, personalidade, sonho realizado, humildade, tanto valor em uma pessoa só.
Para todas nós, Elza é potência. Grandiosa. Chão e sonho. Sabemos que é única e sempre será. Uma biografia ao mesmo tempo triste e feliz, um baita exemplo de vida, ícone eterno. Guardemos essa memória, porque Elza fortalece a nossa humanidade.