JOSÉ VIRGÍLIO LOPES ENEI - Advogado, é diretor da Associação Brasileira de Eólicas Marítimas (Abemar)
O governo foi induzido em erro ao permitir que a Superintendência de Autorizações de Geração da Aneel (SCG/Aneel) e a Secretaria do Patrimônio da União (SPU) paralisassem processos de eólica marítima em andamento “para aguardar nova norma”, sob o enganado pretexto de que “falta segurança jurídica”. Entretanto, já existem todas as normas de aplicação obrigatória e imediata, necessárias ao ciclo de vida de parques eólicos marítimos no mar territorial.
Pequena alteração numa portaria da SPU e numa instrução normativa serão suficientes para permitir que haja empreendimentos eólicos marítimos na zona econômica exclusiva, das 12 milhas até as 200 milhas náuticas da costa, e na plataforma continental além das 200 milhas. Ainda assim, nova norma seria bem-vinda se ajudasse a acelerar o setor e, naturalmente, respeitasse o direito de empreendedores que tenham feito investimentos relevantes sob a legislação vigente. A minuta de novo decreto não faz uma coisa nem outra.
Entre os novos obstáculos que poderá impor ao setor, está a exigência de licitação para a União ceder à iniciativa privada o direito de usar áreas marítimas, como se essas fossem bens escassos no Brasil e como se existisse lei que o permita. Não existe.
Imaginar que o governo terá recursos para estudar o potencial energético de todo o litoral brasileiro, considerando a tecnologia mais atual e com grau de detalhamento suficiente para dividir o mar territorial e a zona econômica exclusiva em prismas comercialmente viáveis para oferecê-los em licitação à iniciativa privada, é grande utopia, além de não representar o melhor uso dos recursos públicos. Não é por outra razão que esse modelo não se aplica ao setor minerário, às pequenas centrais hidrelétricas, à geração solar e às eólicas terrestres, e não funcionou para os portos privados nem para ferrovias e aeroportos privados, todos regidos pela outorga de autorização ao empreendedor que primeiro atenda aos requisitos pertinentes.
A exigência de licitação oneraria os projetos de eólicas marítimas no início da sua indústria no Brasil (quando a viabilidade econômica ainda é grande desafio, como em qualquer nova fonte energética), e atrasaria em vários anos a sua implantação, impedindo a diversificação mais ampla da matriz energética brasileira e encarecendo ainda mais a conta de luz dos brasileiros.
A minuta de decreto tenta impor a armadilha da licitação (hoje, inexigível) para a cessão de direito de uso de áreas no mar de propriedade ou soberania da União Federal, tanto para a figura da cessão independente quanto para a cessão programada, quando hoje autorizados pela Aneel para construir, ou gerar e vender energia elétrica de fonte eólica já têm direito ao contrato de cessão com a SPU. Mas não é só: remete à regulamentação em até 180 dias, criando uma espiral burocrática infindável. Pior ainda: retroage para tirar direitos dos projetos que avançaram quando a licitação não era exigível.
Decreto regulamenta lei vigente. Não inova. Ao tratar de prismas, estranha figura inexistente em qualquer lei, mas apenas no Projeto de Lei nº 576/21, do senador Jean-Paul Prates (PT/RN), tal decreto inova, sem base legal, ao regulamentar PL ainda não aprovado no Congresso.
O governo acertou ao instituir autorização para aeroportos, terminais portuários privados e ferrovias, e assim destravou investimentos bilionários, antes escassos devido às dificuldades do modelo licitatório que agora, na contramão do seu viés liberalizante, tenta impor equivocadamente às eólicas marítimas.
A SPU se manifestou favoravelmente à cessão de uso de espaços físicos em águas públicas a autorizados pela Agência Nacional de Energia Elétrica (Aneel) e apenas aguarda resposta a ofício dirigido ao Ministério das Minas e Energia, que responda à SPU que ela deve receber como autorização de cessão a autorização de construção (DRO) ou de produção independente de energia (PIE) emitidas pela Aneel e assinar o contrato de cessão em condições especiais para DRO e o de cessão onerosa de uso para PIE. Só. Para viabilizar eólica marítima já, o governo deve aplicar as normas gerais vigentes, destravando os processos atuais.