SAMUEL HANAN - Engenheiro com especialização nas áreas de macroeconomia, administração de empresas e finanças, foi vice-governador do Amazonas (1999-2002)
A tragédia brasileira está em cartaz há décadas. O país patina no desenvolvimento e só vê aumentar as desigualdades sociais, com a população cada vez mais pobre e desassistida dos serviços públicos essenciais para lhe garantir vida digna: saúde, educação, saneamento básico, habitação e segurança. Problemas que voltarão a ser tema em 2022, ano eleitoral, com os candidatos repetindo as promessas de sempre, cada qual com suas propostas salvadoras.
A título de reflexão, podemos dividir em três atos a tragédia que assola o Brasil. No primeiro ato, temos a corrupção como protagonista; no segundo, o custo do funcionalismo público e, no terceiro, tomam a cena os gastos tributários da União. Eis os principais problemas e, por mais paradoxal que possa parecer, também as soluções.
A recorrente justificativa dos gestores públicos de que os recursos nunca são suficientes para o atendimento das demandas não pode ser aceita como verdade absoluta. O enfrentamento das três questões mencionadas poderia mudar esse quadro. A corrupção, por exemplo, consome de 1,38% a 2,3% do Produto Interno Bruto (PIB) nacional, segundo estudos da Federação da Indústria do Estado de São Paulo (Fiesp). Isso corresponde a um rombo de R$ 110 bilhões a R$ 184 bilhões anuais nos cofres públicos, considerando-se a estimativa do PIB 2021, de R$ 8 trilhões.
A gigantesca máquina do funcionalismo público consome anualmente de 13,4% a 13,7% do PIB, bem mais que os 9,8% do PIB que os países da Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE) gastam, em média, com esse item. Se esse percentual fosse adotado como limite no Brasil, haveria mais R$ 288 bilhões a R$ 312 bilhões disponíveis. Hoje, temos ainda de 3,62% a 3,84% do PIB (R$ 290 bilhões a R$ 307 bilhões) comprometidos com os gastos tributários da União. O total do desperdício corresponde de 8,6% até 10% do PIB, ou seja, de R$ 688 bilhões a R$ 803 bilhões. Não é pouco.
Imaginemos, agora, reduzir esses desperdícios. Pode parecer utopia, mas é possível, como já demonstraram os países desenvolvidos. Esse esforço resultaria em resultados financeiros suficientes para alavancar a mudança de patamar que o Brasil precisa alcançar.
Hoje, o SUS consome de R$ 120 bilhões a R$ 130 bilhões por ano. Ampliar o sistema em 50% consumiria mais R$ 60 bilhões/ano, o que também permitiria reforçar significativamente o Sistema Único de Saúde, sobretudo para atender às áreas mais carentes do país.
Na educação, imaginemos se os 1,8 milhão de professores do ensino fundamental e do ensino médio da rede pública tivessem a remuneração majorada em 30%. O país teria professores mais estimulados e preparados, com consequente salto no nível do sistema educacional. O mesmo se aplica ao salário médio do professor da rede pública de ensino fundamental, hoje em torno de R$ 3 mil. Um programa de educação com orçamento reforçado em R$ 44 bilhões/ano aumentaria o salário para R$ 4 mil por mês e ainda possibilitaria a implantação de escolas técnicas profissionalizantes nos moldes das Fatecs e Etecs, iniciativas bem-sucedidas no estado de São Paulo. E as universidades públicas teriam aporte extra de recursos de, no mínimo, R$ 5 bilhões anuais.
Mais R$ 98 bilhões/ano viabilizariam um programa habitacional com a construção de 700 mil casas por ano, ao custo unitário de R$ 140 mil, moradias dignas, com energia elétrica garantida por placas fotovoltaicas e destinadas às famílias mais carentes. Em nove anos, o deficit habitacional seria zerado. Imaginemos, ainda, uma ação social sem data para acabar. Um programa com recursos de R$ 52 bilhões/ano seria suficiente para atender a 10 milhões de famílias brasileiras mais carentes — uma população entre 35 milhões e 40 milhões de pessoas — com ajuda financeira de R$ 400 por mês e uma parcela de 13º salário. Seria, ademais, o fim da agonia de quem precisa e não sabe se terá o benefício no ano seguinte.
A correta distribuição dos recursos públicos, a partir da solução aqui discutida, permitiria, aliás, dobrar o orçamento da Polícia Federal e aumentar a dotação das Forças Armadas. A destinação de mais R$ 20 bilhões/ano para o programa de segurança pública significaria investimento para melhorar a ocupação das imensas fronteiras internacionais pelas forças de segurança e para aprimorar a fiscalização dos portos e aeroportos. Tais medidas coibiriam, de forma mais efetiva, a entrada de drogas, armas e munições em território nacional, combustíveis do tráfico, da criminalidade e da violência que vitimam, principalmente, os mais jovens. Crimes inibidos significam vidas poupadas e cadeias menos lotadas.
Ao custo de mais R$ 20 bilhões a R$ 50 bilhões/ano é possível mudar a realidade nacional, com priorização das regiões Norte e Nordeste e periferias das grandes cidades. Com a disponibilização de mais R$ 10 bilhões anuais para saneamento seria possível ampliar o esgotamento sanitário (coleta e tratamento) e o fornecimento de água tratada, com reflexos positivos na saúde da população e redução da mortalidade infantil.
Necessário também falar em geração de empregos e ocupação econômica. A maior obra social é o emprego, não apenas porque garante renda, mas também porque assegura dignidade ao ser humano. Mais de 10 milhões de empregos seriam gerados com a construção de milhares de unidades habitacionais, obras de infraestrutura, construção de escolas técnicas, ampliação do SUS. Tudo com impacto positivo na economia, dada a elevação do consumo, aumento da demanda e da produção industrial, em um círculo virtuoso.
Se houver planejamento e forem reduzidos um terço dos prejuízos com a corrupção, um terço dos excessos da máquina pública e metade das renúncias fiscais concedidas de maneira ilegítima, o Brasil terá o reforço de R$ 309 bilhões no Orçamento anual, tornando possível os investimentos citados. Se o corte for um pouco maior, viabilizará também grandes — e necessárias — obras de infraestrutura, como rodovias, ferrovias, portos e aeroportos, mormente nas regiões Norte, Nordeste e Centro-Oeste, marcando o início da correção das atrofias demográficas e das desigualdades regionais.
Seria ou não suficiente para o país retomar o caminho do desenvolvimento e se tornar muito melhor para os brasileiros? É o desejo de todos, mas exige coragem. Caso esses problemas não sejam atacados, não teremos uma solução efetiva. Os discursos poderão ser eloquentes, mas as medidas que ignorarem essa realidade serão cosméticas, contribuindo para a degradação moral, manutenção de privilégios e perpetuação das injustiças sociais.