A decisão da Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa) de adiar o parecer sobre o pedido feito pelo Ministério da Saúde para a liberação dos autotetes de covid-19 é acertada. Ainda que os casos da doença estejam explodindo no país — foram mais de 200 mil nas últimas 24h —, em decorrência da variante ômicron, é preciso que tudo seja feito com segurança. A Anvisa tem agido com muito rigor em todas as suas decisões. E não está sendo diferente desta vez.
Entende a maioria da diretoria da agência reguladora que a nota técnica apresentada pelo Ministério da Saúde sobre os autoteste está cheia de lacunas, sobretudo por não especificar como será a política pública para os exames, já que a responsabilidade ficaria a cargo das farmácias. Não está claro, por exemplo, como será feita a notificação dos casos positivos de covid-19 e sobre como orientar a população. É importante ressaltar ainda que, em dois anos de pandemia, até hoje a pasta não conseguiu implantar um plano nacional de testagem.
Mais: os autotestes serão realizados por pessoas leigas, em casa. Portanto, todas as orientações precisam ser claras para evitar que o que pode ser uma boa solução se transforme em problema. Há vários países onde o autoteste está liberado. Ou seja, o Ministério da Saúde poderia ter se inspirado no que ocorre por lá para embasar o pedido encaminhado à Anvisa. A percepção que se tem é de que tudo o que se refere à pandemia é tratado com descaso pelas autoridades responsáveis.
Dos cinco diretores da Anvisa, apenas uma votou favorável à aprovação dos autotestes. Diante da emergência da situação, em que laboratórios privados já enfrentam escassez de insumos, a relatora do processo, Cristiane Rose Jourdan Gomes, disse que a regulamentação dos autoexames pode ser editada em medida de excepcionalidade para garantir maior acesso da população à testagem e, por consequência, identificar, isolar e minimizar a transmissibilidade da variante ômicron, independentemente da ação de política pública.
"Trata-se de uma medida adicional que amplia o acesso à testagem a fim de prevenir a transmissão de covid junto com a vacinação, o uso de máscara e o distanciamento social", disse a diretora. No entender dos demais dirigentes da agência, é fundamental que a autotestagem seja formalizada como política pública. Essa é a condição para que seja afastada a vedação aos autoexames, válida desde 2015. "Outros países que adotaram o teste fora do ambiente laboratorial, além de possuir critério sanitário direcionado a tais situações, estabeleceram políticas públicas na perspectiva de combate à disseminação do coronavírus", afirmou o diretor Rômison Mota.
Os diretores esclareceram que, segundo entendimento da Procuradoria Federal junto à Anvisa, a nota técnica enviada pelo Ministério da Saúde não cumpre todos os requisitos necessários a uma política pública. Sendo assim, a pasta comandada por Marcelo Queiroga deve agir com rapidez e transparência. Não há tempo a perder. Os autotestes são importantes, mas precisam ser autorizados em um contexto de segurança. Se realmente considera o assunto relevante, o ministério precisa atender as demandas da Anvisa sem conflitos.
O assunto é técnico, não político. O Brasil já pagou um preço alto de mais por politizar a pandemia, colocar a vacinação sob suspeição, negligenciar medidas de isolamento social. Os resultados desse quadro assustador são mais de 620 mil mortes, famílias destruídas, economia abalada, desemprego, inflação. Não há dúvidas de que tudo teria sido menos traumático se o combate ao novo coronavírus fosse feito com responsabilidade. Que, no caso dos autotestes, prevaleça o bom senso.