Opinião

Rodrigo Craveiro: Um ano sem Trump

Quem exerce o cargo de presidente da República deveria se orgulhar disso e se esforçar a fim de entrar para a história como um líder nato. Como alguém que colocou os interesses de sua nação em primeiro lugar. Como um estadista que, em meio a uma crise histórica, agiu com altivez e com sobriedade. Sobretudo, com sabedoria. Como um ser humano que expressou empatia por milhares de mortes e não despejou palavras ao vento que pudessem voltar contra si mesmo. Liderar uma nação deveria ser motivo de honra. De acolher a diversidade e os credos. E tratar aqueles que pensam igual ou diferente como um povo único. Ser presidente deveria, em tese, pressupor o máximo respeito pela liturgia do cargo. Saber se portar como chefe de Estado, dosar as palavras e as ações, entender que a existência da imprensa é necessária para coibir a tirania, jamais pretender impor seus dogmas e crenças ao cidadão comum.

Há um ano, os Estados Unidos se despediam de Donald Trump. O republicano nem sequer teve a serenidade e a honradez de entregar a faixa presidencial ao sucessor, o democrata Joe Biden. Naquele meio-dia de 20 de janeiro de 2021, o mundo parecia saudar o retorno a algum grau de normalidade, de decência e de consciência. Trump deixou um legado de ódio, de rancor e de mentiras nos Estados Unidos. Conseguiu dividir a sociedade, radicalizar uma parcela da população, reforçar a mentalidade armamentista em uma nação atormentada por tragédias. Como se fosse um vaqueiro, permitiu o estouro da boiada no Capitólio. Foi conivente com a profanação de um símbolo sagrado da democracia ocidental.

Trump entrou para a latrina da história. Ainda assim despertou admiração por parte do presidente da maior nação do Hemisfério Sul. A ridícula e caricata visita à Casa Branca, no primeiro ano de governo, sugeria um fã abobalhado na presença do ídolo. O amor irracional pelas armas, as frases desmedidas, o ataque às instituições da República, o negacionismo. Coincidências entre dois líderes que se locupletam. Ao se opor à vacinação de crianças e ao incutir medo ilógico na população, o governante do maior país da América Latina presta um desserviço à ciência e mostra desprezo pelo combate à pandemia.

Pior: transforma "cidadãos de bem" em vitrolas que reproduzem o que o mestre deseja. Quando as crianças começaram a se vacinar, no domingo, comentários dessas estirpes apareceram no tóxico ambiente das redes sociais: "Os pais chorarão no cemitério" ou "Jamais darei esse veneno ao meu filho". Se estivesse no poder, talvez até Trump defenderia a imunização dos pequenos. O republicano tinha "despertado" para a gravidade da pandemia. Ao contrário, o Trump do Hemisfério Sul disse que o vírus é "bem-vindo" (!?) e se opôs à vacinação. Um líder deveria se portar como líder. Um estadista deveria ter a obrigação de colocar os interesses da nação acima de suas convicções, de suas crenças e de seu preconceito.

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