JOAQUIM LEVY - Economista, foi ministro da Fazenda
MATHEUS ROSIGNOLI - Graduado em economia
A divulgação do Índice Nacional de Preços ao Consumidor Amplo (IPCA) de dezembro de 2021 deu sinais encorajadores de que o verão de 2022 será de menos inflação. Assim como o tempo, a inflação sempre guarda surpresas. Mas, depois de fechar muito acima do limite superior do intervalo de tolerância de 1,5 ponto percentual (p.p.) em torno da meta, a inflação apresenta perspectivas melhores no ano que começa.
Como o Banco Central enfatizou na carta aberta publicada em 11 de janeiro, o aumento do preço do petróleo explica muito do porquê de a inflação ter ficado tão acima do teto em 2021. Alguns problemas em insumos internacionais, como chips para automóveis e a falta d´água no Brasil, também empurraram os preços de forma excepcional.
O preço da gasolina e do gás de cozinha contribuiu, junto com o do etanol, com mais de 3 p.p. para o aumento do IPCA. A energia elétrica com 1 p.p. e os automóveis com ¾ p.p. Comida e serviços, por seu lado, cresceram bem menos que a média dos preços. O risco de a inflação ultrapassar em muito a meta de 2021 só foi percebido na metade do ano passado.
Como o presidente do BC notou, a previsão do Copom em setembro de 2020 era de que os preços subiriam menos de 3% em 2021, quando eles acabaram subindo 10,06%. O preço do petróleo aumentou ao longo de grande parte de 2021, à medida que a economia mundial se recuperou da primeira onda de covid-19, graças à vacinação e aos renovados impulsos fiscais. Esse preço se acomodou apenas mais para o final do ano, com a onda da variante ômicron.
A variante também deve ter contribuído para a moderação dos preços dos itens de serviços, refletida na surpresa baixista nos itens de alimentação fora de casa e consertos de automóveis. Com isso, a variação do IPCA em dezembro de 2021 ficou em 0,73%, a menor variação mensal no segundo semestre, apesar de a inflação tradicionalmente se acelerar no final do ano. Assim, os principais núcleos da inflação caíram mais de 1 ponto percentual na média de três meses dessazonalizada e anualizada, indo de 9,53% para 8,43%, abrindo nova perspectiva para os próximos meses.
A queda de alguns preços administrados e de serviços, além da permanência de vários preços em nível alto, mas estável, pode levar a inflação de janeiro a ficar abaixo de 0,5%,um índice bastante confortável, quando se leva em conta a variação do IPCA na maioria dos começos de ano. A equipe de macroeconomia do Banco Safra já identificou que o item passagens aéreas deve cair, assim como as prestações dos planos de saúde.
Alguns itens vão aumentar, como o IPVA e a própria gasolina, a qual sofreu um reajuste na refinaria na segunda semana do mês. A transmissão desse reajuste, porém, deve impactar apenas parcialmente o IPCA de janeiro, ficando o resto para o índice de fevereiro. O preço dos bens industriais também deve aumentar moderadamente, enquanto a alta dos alimentos in natura dependerá dos efeitos das chuvas excessivas em algumas localidades e da falta delas em outras. Mas, no conjunto, o primeiro mês sinaliza mais um período de inflação relativamente branda.
Olhando para o verão como um todo, os preços no setor de educação terão destaque em fevereiro. O item cursos regulares sofreu um reajuste pequeno em 2021 e poderá trazer surpresas altistas com a normalização das aulas, ainda que os dados preliminares não corroborem essa preocupação.
O aumento do salário mínimo no começo do ano também pode afetar o preço de outros serviços, apesar da fragilidade do mercado de trabalho, em que o nível de ocupação ainda está menor do que antes da pandemia, e da fraqueza da renda média real do trabalho, mesmo depois do reajuste dos salários.
Assim, e considerando o aumento do endividamento das famílias nos últimos 18 meses, é provável que o poder de compra dos consumidores caia, freando a inflação e permitindo um aumento do IPCA de apenas 0,8% em fevereiro. A inflação de março está projetada em 0,46%, levando a variação mensal média do IPCA no primeiro trimestre a apenas 0,57%. Esse número ainda parece bem acima do necessário para viabilizar uma inflação dentro do intervalo de tolerância em 2022.
Mas, considerando os padrões sazonais, esses são números de um primeiro trimestre de baixa inflação, que poderá ser seguido por um segundo trimestre com inflação mensal média próxima a 0,25% e uma segunda metade do ano de 0,37%. Nesse cenário, a variação acumulada do IPCA sobre 12 meses converge para 4,7% ao final de 2022, se não houver uma disparada do preço do petróleo para US$ 100/barril ou forte desvalorização cambial por motivos domésticos.
O esfriamento da inflação nesse verão pode não estar evidente a tempo da primeira reunião do Copom em 2022, que ocorrerá em 1 e 2 de fevereiro, quando apenas as prévias do IPCA de janeiro estarão disponíveis. Mas ele poderá ser confirmado se a variação do IPCA de fevereiro divulgada nas vésperas da segunda reunião de 16 de março vier abaixo de 0,8%. Nesse caso, aumentaria a convicção de uma dinâmica inflacionária moderada para todo 2022, sugerindo que a decisão de anunciar o fim do ciclo de aperto da política monetária estaria madura.