Elis Regina entrou para a história da música popular brasileira como uma das principais vozes e uma das maiores intérpretes. Esses dons podem ser apreciados tanto em discos de estúdio, como Dois na bossa (com Jair Rodrigues), Falso brilhante, Essa mulher, Saudade do Brasil e, claro, o que dividiu com Tom Jobim; além de Transversal do tempo e Trem Azul, gravados ao vivo.
Quem esteve no Cine Brasília em 23 e 24 de novembro de 1979, certamente, se encantou com a performance de Elis no show da turnê Essa mulher, com o qual emocionou os espectadores em vários momentos, principalmente ao ouvi-la em O bêbado e a equilibrista, que foi tomada como "hino dos retornados". O samba havia sido composto por João Bosco e Aldir Blanc para saudar a chegada dos que enfrentaram o exílio, no período da ditadura militar — de triste lembrança.
Naquela rara vinda da cantora à cidade, tive o privilégio de entrevistá-la no saguão do hotel que havia sido utilizado pelo general João Baptista Figueiredo na "campanha" para a Presidência da República. Como estávamos sentados próximos a uma grossa cortina, ressabiada, ela pediu para que alguém de sua produção vasculhasse a peça de adorno do ambiente e verificasse se não havia algum microfone instalado. Razões para aquela precaução não faltavam.
Durante o nosso bate-papo, assuntos diversos foram abordados. Ao ser questionada sobre a participação dela nas Olimpíadas do Exército, durante o Governo Médici, respondeu sem rodeios. "Chegaram para mim e perguntaram: 'Como é? Você quer ir ou prefere ser levada?'. Diante de tanta amabilidade, fui. Houve quem dissesse que eu poderia apelar para o respaldo popular que possuía. Mas Caetano e Gil, que eram popularíssimos, na hora que dançaram, dançaram feio", obviamente, referindo-se ao exílio ao qual os tropicalistas foram submetidos pelo ditador de plantão.
Artista e cidadã, a Pimentinha — apelido que lhe foi dado por Rita Lee, após a visita que a roqueira recebeu na prisão, como conta na autobiografia — nunca fugiu à luta. Ao contrário, teve participação ativa. Exemplo: durante o espetáculo Falso brilhante, de 1976, presa a uma barra e ajoelhada, simulando tortura, cantava Agnus dei (mais uma canção de João Bosco e Aldir Blanc), cuja letra, num dos versos diz: "Ah, como é difícil tornar-se herói/ Só quem tentou sabe como dói".
Nos tempos de agora, quanta falta faz Elis para a música e a cultura brasileiras. Amanhã, quando completa 40 anos de sua morte, vamos reverenciá-la assistindo aos shows Falso brilhante e Na batucada da vida, disponíveis no Canal Bis.