Opinião

Rosane Garcia: Terceiro setor e pandemia

Com a Constituição de 1988, cresceu o número de organizações da sociedade civil (OSCs). Hoje, são 781.895 OSCs em todo o país, segundo o mapeamento do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea). Elas atuam nos mais diferentes campos,como educação, saúde, assistência social, direitos humanos e outros. No Distrito Federal, são 12.500 com CNPJ e muitas outras que trabalham mesmo sem personalidade jurídica constituída.

A pandemia do novo coronavírus trouxe à tona as mazelas sociais e econômicas do país. Descortinou a face de um Brasil que, embora pleno de riquezas naturais e de cérebros privilegiados, destaca-se pela miséria, pela desigualdade, onde a maioria da sua população enfrenta duras e injustas dificuldades para sobreviver. Ao mesmo tempo, fortaleceu a solidariedade, diante de um Estado omisso e indiferente às dores dos que sofreram, e ainda sofrem, ante as perdas de vidas queridas.

Nesse cenário macabro, as organizações da sociedade civil não se intimidaram com o ataque do Sars-Cov-2. Identificaram os famintos (mais de 19 milhões), os desempregados — hoje, são 13,5 milhões e 5,1 milhões de desalentados —, desabrigados e todos aqueles que sempre foram invisíveis ao olhar do poder público, que atua muito mais para favorecer os que muito têm e mais querem ter. Faltam — e a pandemia jogou luz sobre essa carência — políticas públicas para o enfrentamento das desigualdades sociais e das injustiças econômicas.

Em 2020 (primeiro ano da pandemia), as instituições conseguiram muitas doações, sobretudo, de alimentos aos que se viram em situação de quase indigência social, sem emprego, sem meios de garantir o próprio sustento e o da família. No ano passado, apesar do agravamento da crise e do exponencial aumento do número de mortos pela covid-19, houve uma forte retração de donativos. Várias instituições reconhecidas não perderam tempo e promoveram campanhas. "Não fosse o terceiro setor, o amadurecimento e o enraizamento das OSCs nos territórios empobrecidos, provavelmente, estaríamos vivendo convulsões sociais no ambiente urbano, saques em supermercados, arrastões e tantos outros problemas", avalia Sérgio Cassio, formado em ciência da educação, há 25 anos no terceiro setor e integrante do Instituto Atuar e da organização Atitudes, em Ceilândia.

Ele compara os auxílios oferecidos pelo poder público ao uso de "um band aid para conter uma hemorragia". A dissintonia entre as iniciativas dos governos e as necessidades dos empobrecidos decorre da falta de diálogo dos gestores públicos com as OSCs, que agrega profissionais gabaritados, do desconhecimento dos territórios, das lideranças comunitárias e das demandas das pessoas em situação de vulnerabilidade socioeconômica. A falta de articulação compromete a construção de políticas públicas eficientes e eficazes, que levariam ao resultado esperado. Ao insistir em elaborar projetos de costas para a realidade, o gestor público aposta no quanto pior melhor. É hora de mudar e reconhecer o terceiro setor como parceiro indispensável às mudanças por uma sociedade mais igualitária.

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