Não é de hoje que o Orçamento da União se transformou em uma peça de ficção, bem longe de atender as demandas mais urgentes da sociedade. Agora, além de manter distância em relação aos interesses da sociedade, a peça orçamentária se tornou, oficialmente, um instrumento de barganha política. Todas as verbas públicas, para serem liberadas, terão de passar pelo crivo do ministro da Casa Civil, Ciro Nogueira, um dos principais expoentes do Centrão, o grupo de partidos mais fisiológicos do Congresso, que, em troca de manter Jair Bolsonaro bem longe de um processo de impeachment, assumiu o comando do governo. Os impostos pagos por trabalhadores e empresas serão usados para inflar aliados em ano de eleição.
A desfaçatez é tamanha que, um dia depois de o presidente Jair Bolsonaro publicar o decreto transferindo os poderes do Ministério da Economia para a Casa Civil sobre o manejo do Orçamento, o governo passou a discutir a possibilidade de se ampliar o Fundo Eleitoral deste ano, de R$ 4,9 bilhões, como foi aprovado pelo Congresso, para R$ 5,7 bilhões, a proposta original do Centrão. A canetada, se confirmada, tirará R$ 800 milhões de áreas prioritárias para incrementar as campanhas de políticos que desejam renovar os mandatos. Esse valor daria para bancar, durante 10 anos, o programa de distribuição gratuita de absorventes íntimos para mulheres em situação de vulnerabilidade que foi vetado por Bolsonaro.
A entrega das chaves do cofre para Ciro Nogueira explicita que o governo mergulhou de vez no vale-tudo pela reeleição do presidente. O Orçamento é o preço a se pagar por isso. Não custa lembrar que o Congresso dispõe do Orçamento secreto, de mais de R$ 16 bilhões, para favorecer os amigos da Corte e das tradicionais emendas de parlamentares e de bancadas. Ou seja, a gula do Centrão não tem tamanho e, diante de um governo enfraquecido e reprovado pela maioria da população, a ordem é sugar o que for possível. Os brasileiros que se virem para ter um sistema de saúde melhor, um programa de educação mais eficiente, estradas menos esburacadas, segurança adequada.
Chama ainda a atenção nesse movimento politiqueiro do governo a subserviência do ministro Paulo Guedes. Ele, que sempre criticou os parasitas que se apoderaram do Estado, agora, está endossando a entrega do Orçamento ao Centrão. Auxiliares do chefe da equipe econômica tentam minimizar a complacência dele, alegando que o fortalecimento da Casa Civil nas decisões sobre a peça orçamentária é um caminho natural depois da junção das áreas que cuidavam da programação de receitas e despesas, papel que cabia ao extinto Ministério do Planejamento e ao Tesouro Nacional. O certo é que Guedes passou a ser tutelado por Nogueira e virou uma figura decorativa na Esplanada. Perdeu o pouco que ainda lhe restava de respeito.
Quem ficou assustado com a falta de apoio do governo aos desabrigados das chuvas na Bahia e em Minas Gerais terá de se contentar com mais descaso. Em vez de verbas para conter encostas, recuperar áreas degradadas, ampliar o sistema de saneamento básico, cuidar do patrimônio público, evitar novas tragédias, o país assistirá o dinheiro público irrigando currais eleitorais, com a compra de tratores superfaturados, construção de quadras de esportes pelo triplo do preço, pontes inacabadas, escândalos sem fim. Para o Centrão, o que importa são os votos que garantam a sustentação do grupo para que, entra governo, saia governo, possa tirar proveito da máquina pública. O Centrão não tem nenhum compromisso com o Brasil.