ANDRÉ GUSTAVO STUMPF - Jornalista (andregustavo10@terra.com.br)
Nos anos quarenta, depois que o Brasil declarou guerra aos países do Eixo, Alemanha, Itália e Japão, ocorreram manifestações importantes dentro do país. Dois clubes de futebol mudaram de nome. Os dois se chamavam Palestra Itália, um em São Paulo virou Palmeiras, outro em Belo Horizonte se transformou em Cruzeiro. Várias atividades comerciais mudaram a razão social. No Rio, no centro da cidade, o tradicional Zum Schlauch (A Serpentina, em alemão) passou a se chamar Bar Luiz. Getúlio Vargas impôs o ensino exclusivo do português como língua franca no Brasil e colocou as comunidades germânicas e italianas no sul do país sob severo controle.
Meu avô, dentista, nascido no Brasil, mas com sobrenome alemão, sofreu em Petrópolis. Seu pequeno consultório, na Avenida Centenário, foi incendiado, consequência do clima de ódio que se armou no país depois que submarinos dos países do eixo começaram a afundar navios de bandeira brasileira nas costas do país e no curso para portos dos norte-americanos. Nos Estados Unidos, o presidente Franklin Roosevelt realocou comunidades nipônicas em campos de concentração distantes da costa. O objetivo foi defender o país após o ataque japonês à base naval de Pearl Harbour.
O senso comum, ou o direito coletivo, prevaleceu em todas essas atividades. O povo mudou os nomes dos clubes de futebol, atacou possíveis colaboradores pelo simples fato de terem sobrenome estrangeiro. Surgiu a Força Expedicionária Brasileira, a FEB, que lutou nos campos de guerra na Itália ao lado do quinto Exército norte-americano. E trabalhou bem, segundo relato de quem acompanhou os brasileiros na luta contra o nazismo. Aqui no Brasil, lei federal determinou que nas cidades costeiras, em todo o país, era proibido acender luzes depois do pôr do sol. Ou as residências deveriam ter grossas cortinas para evitar que a luz pudesse orientar navio ou submarino hostil.
As cidades ficaram no escuro. Tratou-se de defender a comunidade e, em última instância, o país. Quem desrespeitou a regra foi punido, acusado de displicente, ou pior, espião estrangeiro. A comunidade encontrou seus meios para se defender de algo que ameaçava o país como um todo. Há diversos livros, brasileiros e estrangeiros, que relatam os planos do Terceiro Reich para América do Sul. As populações nessas regiões, consideradas mestiças, seriam cidadãos de segunda classe.
A ideia básica dos nazistas era criar um grande país que seria a atual Argentina ligada aos estados do sul do Brasil. Nada disso aconteceu porque o nazismo e o fascismo foram derrotados, com o auxílio do 25 mil pracinhas brasileiros que ajudaram a libertar a Itália. Fica claro que o direito coletivo se sobrepõe ao individual. A guerra atual é contra a covid-19. É essencial que os brasileiros se vacinem para impedir que o inimigo de toda a população prospere dentro do país. Parece óbvio, mas a obviedade agride o negacionista.
O presidente Joe Biden disse tudo no incisivo discurso que fez, no Capitólio, um ano depois da invasão daquele prédio por bárbaros que pretendiam impedir a certificação de sua vitória eleitoral. Trump não admite até hoje a derrota. Ele é mau perdedor. Mentiu sobre o assunto e agiu de forma dissimulada. Tomou as três doses de vacina. O negacionismo sobrevive no Brasil como ação política chamada de direita com tempero religioso. As igrejas neopentecostais repetem aqui a temática das igrejas de televisão, que vicejam nos Estados Unidos.
Elas não têm vínculo histórico com o Brasil. Desembarcaram aqui como reprodução dos movimentos carismáticos norte-americanos e se aliaram aos partidários da direita local que atropela os fatos e cria narrativas descoladas da realidade. O protestantismo autêntico chegou ao Brasil quando alemães e suíços vieram para o país por iniciativa de D. Pedro I, a partir de 1824. O primeiro pastor luterano chamava-se Sauerbronn, de Freiburg, Suíça. Instalou-se em Nova Friburgo, perto do Rio de Janeiro. Nada a ver com atuais religiões evangélicas.
A Segunda Guerra Mundial trouxe a novidade. A mentira contada mil vezes se transforma em verdade. É o que se chama hoje de narrativa. A ação violenta, ostensiva e até ofensiva do presidente Jair Bolsonaro contra a verdade dos fatos é a síntese dessa história. Combina negacionismo com religião. Tudo se faz em nome do Altíssimo. Guerra é a paz dos incapazes de reconhecer a realidade. É também a maneira de aparecer quase todos os dias no noticiário das televisões e manter unido o pequeno, mas barulhento, grupo de seguidores fanáticos do autoproclamado mito.