KESYA LUCIANA DO NASCIMENTO SILVA VASCO - Advogada, é membro da Comissão da Criança e do Adolescente da OAB/PE
Diante do cenário atual de crescente inadimplência, reflexo do deficit econômico causado pela pandemia mundial do novo coronavírus, o recém-aprovado projeto de lei que trata de formas de prevenção ao superendividamento do consumidor se torna um dos mais importantes projetos do Brasil pós-pandemia.
O PL 3515/2015, de autoria do senador José Sarney (PMDB-AP), foi finalmente aprovado no Plenário da Câmara dos Deputados após discussões em ambas as casas legislativas. O projeto é fruto de inúmeros debates encabeçados pelo ministro do Superior Tribunal de Justiça (STJ) Herman Benjamin, que, após 35 reuniões técnicas e 15 audiências públicas desde 2010, desencadeou no PL 283/2012, substituído em 2015 pelo atual projeto.
A Lei do Superendividamento do Consumidor traz alterações no Código de Defesa do Consumidor e no Estatuto do Idoso para aperfeiçoar a disciplina do crédito ao consumidor e dispor sobre a prevenção e o tratamento do superendividamento. Além da prevenção do superendividamento do consumidor, a lei proíbe práticas consideradas enganosas e ainda prevê a possibilidade da realização de audiências de negociação. Prevê o fomento de ações direcionadas à educação financeira e ambiental dos consumidores, bem como à garantia de práticas que visem à obtenção de créditos responsáveis, de educação financeira e do tratamento e prevenção de situações de superendividamento.
Vale ainda salientar, entre as práticas previstas na legislação vigente, as relacionadas ao fornecimento de crédito e à venda a prazo, das quais vinculam o fornecedor ou o intermediário a certificar o consumidor além das informações obrigatórias previstas trazidas no artigo 52 do Código de Defesa do Consumidor a previamente: estabelecer o custo efetivo total e a descrição dos elementos que o compõem; a taxa efetiva mensal de juros, bem como a taxa dos juros de mora e o total de encargos, de qualquer natureza, previstos para o atraso no pagamento; o montante das prestações e o prazo de validade da oferta, que deve ser, no mínimo, de dois dias; o nome e o endereço, inclusive o eletrônico, do fornecedor; o direito do consumidor à liquidação antecipada e não onerosa do débito, nos termos do código e da regulamentação em vigor.
Muitas expectativas foram criadas sobre a lei em referência, imputando-a como solucionadora dos problemas de endividamento das mais de 60 milhões de pessoas, segundo dados do Mapa da Inadimplência do Brasil, divulgado pela Serasa Experian. Entretanto, é necessário considerar que nessa relação negocial há outra classe também afetada pelo efeito pós-pandêmico, como, por exemplo, as empresas de fornecimento de crédito, uma vez que alto índice de desemprego decorrente desse efeito instituiu um novo grupo de inadimplentes, cidadãos que ainda não conseguiram uma recolocação no mercado de trabalho e que em virtude disso deixaram de pagar suas dívidas, mas que, contudo, não são devedores propositais.
Além disso, há que levar em conta que algumas das mudanças trazidas pela referida lei podem comprometer a segurança financeira de muitas dessas fornecedoras de crédito, por exemplo, aventando a possibilidade de o consumidor desistir do crédito consignado em até sete dias da contratação sem a necessidade de justificar o pedido de desistência, bem como a restrição do não comprometimento da folha de pagamento dos aposentados e pensionistas em margem superior a 30%, sendo a obrigação de verificação de margem de responsabilidade do fornecedor de crédito, não do consumidor.
Com tais mudanças o que se espera é que se construa uma política de consumo consciente e responsável de crédito, possibilitando ao consumidor ampla rede de oportunidades de renegociação de dívidas além de um plano de pagamento que traga segurança ao consumidor e ao fornecedor de crédito no sentido de que o valor ora contratado tenha a garantia de que será adimplido ao final da pactuação.