Opinião

Vacinar as crianças é dever do Estado

MARIA FÁTIMA DE SOUSA - Enfermeira sanitarista, professora associada do Departamento de Saúde Coletiva, da Faculdade de Ciências da Saúde, da Universidade de Brasília. Doutora honoris causa pela Universidade Federal da Paraíba e pós-doutora pela Université du Québec à Montréal

Colocar em dúvidas a eficácia das vacinas para as crianças de 5 a 11 anos é mais um atentado contra a saúde pública coletiva. Essa é mais uma das ordens descabidas e cumpridas pelo ministro da Saúde sem nenhuma referência científica, inclusive afrontando a Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa), que aprovou a vacina Pfizer. Ele também vai de encontro aos gestores do Sistema Único de Saúde (SUS) e seus conselhos, o Conselho Nacional de Secretários de Saúde (Conass) e Conselho Nacional de Secretarias Municipais de Saúde (Conasems).

O que estamos assistindo, mais uma vez, é a uma campanha contra a vacina, que salva vidas há décadas, e que, nessa pandemia, tem evitado ampliar ainda mais o número de mortes e de casos do covid-19 no país. Faltou ao ministro a responsabilidade sanitária que exige o cargo que ocupa; faltou a honestidade científica, se colocando na contramão ao mundo onde pesquisadores e cientistas, autoridades de saúde e chefes de Estado de mais de 39 países a autorizaram e/ou iniciaram a vacinação em suas crianças, com a consciência sanitária de que essa é uma estratégia fundamental ao controle da pandemia, evitando assim a transmissão do vírus e das formas graves de adoecimentos e a evolução a óbitos.

Além de ficarem atentos a persistência da variante delta, do avanço da ômicron e dos cuidados que devemos ter com a segurança no retorno às aulas presenciais das crianças, sobretudo aquelas marcadas pelos vírus das desigualdades que se perfilam dia a dia na procissão dos desempregos, subempregos, insegurança alimentar e nutricional, moradias insalubres, transportes precários e pobrezas indignas, entre outros fatores da face da desumanidade, agravados pela tragédia da pandemia.

Faltou ainda ao ministro da Saúde sinceridade ao assumir que a tal consulta pública e audiências (instrumentos necessários à elaboração das políticas públicas e construção de consenso) não se aplicam nessa matéria. Ao contrário, criou incertezas, pânicos junto aos pais, principalmente aqueles que negam a ciência, atentando contra a saúde dos seus filhos e da população em geral. Um ato de obediência à ignorância atrevida e um desrespeito ao juramento que fez ao se comprometer cuidar da saúde das pessoas.

Faltou com a verdade que não se trata de falta de vacinas. Deveria assumir que nem sequer dispõe de autoridade perante os demais gestores do SUS, que seguirão responsáveis em não seguir uma orientação estapafúrdia e que, mais uma vez, coloca em risco a legitimidade e autoridade técnico-científica do Programa Nacional de Imunização (PNI).

Ao invés de prorrogar a campanha da vacinação para as crianças, deveria ter assumido que está desistindo de ser uma autoridade sanitária que deveria passar segurança à população em momento tão grave da saúde pública. Mas não, cumpre todas as ordens que lhe chegam de um presidente que só prestou desserviço à população, afinal o Ministério da Saúde deve orientar a nação da importância da vacinação, único caminho para seguir salvando vidas.

Ao contrário, promete que em janeiro vai vacinar, prorrogando uma ação governamental para ontem. Amanhã, quem assegura que as crianças não vão adoecer ou morrer? Um verdadeiro desmantelo. Ainda bem que existem servidores públicos vigilantes que defendem o PNI, o SUS, a vida e saúde da população brasileira mesmo em meio a um caos que agora alcança diretamente nossas crianças.

Não podemos esquecer que atitude dessa natureza contribui, cada vez mais, para a ampliação do movimento antivacina, permitindo às autoridades do governo federal induzirem as mães a não deixarem os filhos serem vacinados e assim desacreditarem nas decisões sobre os rumos do PNI, historicamente respeitado no Brasil e no mundo pela sua agilidade e capilaridade em todos os municípios brasileiros, dos centros às periferias das cidades vacinando nossas crianças, foi e é assim que é considerado um dos maiores e mais inclusivos programas de imunização em todas as nações. Podemos citar vários dos seus benefícios, mas destaco a erradicação da varíola nos anos 80 e da poliomielite na década de 90.

Logo, os pais precisam entender a urgência da vacinação porque a pandemia ainda não acabou, e essa é a forma mais eficaz de frear a contaminação e o surgimento de novas variantes do coronavírus. Apenas a imunização em massa nos protege e diminui o risco de contágio. Que os novos ares de janeiro nos livrem do atraso de mais uma lamentável decisão.

 

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