Por JUVENAL ARAÚJO - Subsecretário de Direitos Humanos e Igualdade Racial
No que depender do Tribunal Superior Eleitoral, teremos um ano com mais justiça social. Falo da decisão que obriga os partidos a dividir e a antecipar a verba do Fundo Especial de Financiamento de Campanha (Fefc) de forma proporcional entre candidatos negros, não negros e mulheres. A medida foi tomada a fim de que não haja atrasos no repasse da verba das cotas em vigor por decisão do próprio TSE.
A resolução que já é válida para as eleições de 2022, será uma importante colaboração para a eliminação das distâncias causadas pelos ultrajes históricos que ainda hoje compelem negros e mulheres à situações de desigualdades e pouca representação na esfera político-eleitoral. Conforme a decisão, as legendas terão que destinar o dinheiro a esses candidatos até o dia 13 de setembro, a 19 dias da disputa e data final para que campanhas apresentem a prestação de contas parcial.
O fato é que essas verbas sempre estiveram concentradas nas mãos dos candidatos autodeclarados brancos de sexo masculino, apesar de a população brasileira ser majoritariamente constituída por negros e mulheres e da representação expressiva marcada por raça e gênero registrada pelo TSE nas últimas eleições.
Recordo da minha experiência, à frente da Secretaria Nacional de Políticas de Promoção da Igualdade Racial (SNPIR), com as boas práticas executadas no que se refere à assinatura dos primeiros marcos legais que envolveram a criação e a regulamentação das comissões de heteroidentificação pelo país.
Assim como nas universidades e nos concursos públicos, defendo a criação de uma comissão de heteroidentificação para o pleito eleitoral, principalmente por se tratar da definição dos rumos da democracia representativa do país. Dar fomento para a consolidação desse essencial instrumento é contribuir e assegurar a eficácia nos processos de escolha de nossos representantes, zelar pela inclusão e permanência de negros e mulheres nesses espaços de diálogos e pela construção de uma participação mais plural no país, a fim de garantir os direitos fundamentais dos sujeitos.
Prezo pela transparência que esse efetivo controle social e político pode nos trazer, principalmente pelo critério que leva em consideração a análise fenotípica do postulante, desassociado de comum comprovação por herança genética de seus progenitores. A heteroidentificação vem fortalecer o que deveria ser (e é) um ato político de potencial e representatividade, de orgulho pela cor da pele negra e reconhecimento de sua identidade histórica, social e cultural. Uma vez que, lamentavelmente, simplesmente se autodeclarar negro torna o processo frágil em razão das recorrentes fraudes, irregularidades e desvirtuamentos imputados a essa política de ações afirmativas. Quando um sujeito não negro intencionalmente desonesto se autodeclara negro, apenas para se favorecer e usufruir de direitos que não lhe pertencem, isso se torna um crime.
É importante lembrar que esses mecanismos legais não são privilégios, mas atos constitucionais de reparação e inclusão de pessoas historicamente excluídas. Enquanto formos restringidos, pelas relações de poder e domínio, a ocupar casas grandes e senzalas e existir sob o peso de machismos e do patriarcado, a superposição das hierarquias baseada em cor da pele e misoginia só continuará nos trazendo sofrimentos, prejuízos e desigualdades.
A nossa luta é por mais representatividade, igualdade, equidade na esfera política e em todos os espaços de poder. Somente um igual pode exercer a escuta e melhor falar com seus iguais. Dizer sim à candidatura de negros e mulheres nas próximas eleições é dizer sim à garantia de direitos e a democracia.
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