O Brasil assiste, atônito, a mais um embate entre os Poderes. E, mais uma vez, o presidente Jair Bolsonaro é o principal fator gerador da crise. Ao não comparecer, ontem, ao depoimento marcado pela Polícia Federal por determinação do ministro Alexandre de Moraes, do Supremo Tribunal Federal (STF), o chefe do Executivo confirma seu desprezo pelas regras vigentes. Ele é investigado por ter vazado um processo sigiloso conduzido pela PF sobre possíveis ataques às urnas eletrônicas. Se não tem nada a temer, que preste os esclarecimentos necessários e não tumultue ainda mais o já complicado quadro político.
Nada desse show de absurdos ao qual o país está sendo submetido estaria acontecendo se Bolsonaro seguisse à risca o papel para o qual foi eleito com 57 milhões de votos: presidir o Brasil. Mas, desde que tomou posse, o presidente deixou as demandas da população de lado e se dedicou, diariamente, a criar um clima de tensão entre os Poderes, cujo propósito maior parecer ser minar a democracia. O ocupante do Palácio do Planalto não tem nenhum apreço pelas instituições, não segue a liturgia do cargo, só está preocupado em garantir o projeto de poder de seu grupo, que flerta com ditaduras.
O Brasil tem problemas demais para ser enfrentados: 12 milhões de desempregados, inflação acima de 10%, miséria tomando conta das ruas, renda do trabalhador no menor nível da história, economia caminhando para a recessão, saúde em frangalhos, famílias sendo destruídas pela pandemia. Para Bolsonaro, contudo, as prioridades são disseminar notícias falsas, afrontar a Constituição, armar a população, desdenhar de uma gravíssima crise sanitária, atacar vacinas, desrespeitar a legislação, abominar o bom senso. Não à toa, o país está à deriva e sem perspectiva de recuperação.
São fortes os indícios de que Bolsonaro cometeu crime ao vazar, em uma de suas lives semanais, um inquérito sob sigilo apenas para endossar a sua tese despropositada de que as urnas eletrônicas são passíveis de fraudes e que ele, além de ter vencido as eleições de 2018 no primeiro turno, pode ser derrotado na disputa deste ano por desejo de poderosos. Em relatório encaminhado ao Supremo, a Polícia Federal afirma ter reunido elementos "da atuação direta, voluntária e consciente" do presidente da República no vazamento de dados sigilosos de um inquérito sobre ameaças ao sistema eletrônico de votação.
No mesmo documento, a PF ressalta, ainda, que, além de Bolsonaro, há sinais de crime na conduta do tenente-coronel Mauro César Barbosa Cid e do deputado federal Filipe Barros (PSL-PR) — os três participaram da transmissão em rede social na qual foram divulgados os detalhes sigilosos da investigação. Portanto, não é afrontando a determinação de um ministro do Supremo que o presidente vai se livrar de tão robustas acusações. Ao fugir da responsabilidade, ele só dá mais uma prova de que não está preparado para exercer o comando de uma nação como o Brasil, com tantas complexidades.
Que ninguém espere uma solução pacífica para a mais nova crise criada por Bolsonaro. No ano passado, depois de todos os ataques a ministros do Supremo no Sete de Setembro e de ameaças de um golpe militar, ele recorreu ao ex-presidente Michel Temer para ajudá-lo a sair das cordas. Chegou ao ponto de assinar, como sendo dele, uma carta escrita pelo antecessor, comprometendo-se a respeitar os Poderes. Não se furtou, inclusive, de elogiar Alexandre de Moraes, a quem definiu como um grande jurista. Em baixa nas pesquisas de intenção de votos, o chefe do Executivo acredita que o único jeito de se manter no poder é radicalizando. Enquanto isso, o Brasil real caminha rápido para a beira do precipício. O desastre é iminente.
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