A semana na qual Robinho foi condenado em última instância pela Corte de Cassação da Itália, equivalente ao STF, a nove anos de prisão por violência sexual em grupo a uma albanesa, termina com a perda de uma das vozes mais agudas do Brasil na cobrança pelo respeito à mulher. Elza Soares cantou até a morte, aos 91 anos, contra o que há de pior no machismo — inclusive na conturbada relação com Mané Garrincha. Assim como o ex-Rei das Pedaladas, o Anjo das Pernas Tortas driblou limites.
O mesmo Mané capaz de prometer a Elza o bicampeonato do Brasil na Copa do Mundo do Chile, em 1962, de romper com a então namorada, Araci, e com a mulher, Nair, para viver com Elza no fim daquele ano, foi capaz de agredi-la. Vítima de violência doméstica, com direito a dentes quebrados, a artista cansou de apanhar. Até denunciou, mas logo recuou diante do medo de que o amor da vida dela fosse preso por quatro anos.
Elza tinha 44 anos. Anulou-se para preservar Mané. Era o último gesto da mulher em defesa de Garrincha. O capítulo derradeiro da saga pessoal pela recuperação não somente do jogador, mas do ser humano pelo qual fez de tudo e mais um pouco.
Elza lutou por melhores contratos, pediu ao governo emprego para o empobrecido parceiro, exilou-se com ele, em Roma, na ditadura, e superou até o acidente que matou a mãe dela. Mané dirigia bêbado na tragédia que ceifou Dona Josefa. Antes da união com o craque, comprou briga até com Nilton Santos e quem mais a chamasse de amante do craque ou destruidora de lares por ter virado a cabeça do Mané.
O rompimento de Elza com Garrincha significou, também, uma ruptura com o próprio passado. Aos 12 anos, a menina foi obrigada pelo pai, Avelino, a casar-se com Lourdes Antonio Soares. Há versões conflitantes. Segundo uma delas, o pai achou que uma treta com um menino havia resultado em estupro. A outra, de Elza, jura que nada aconteceu, a não ser a briga, conta na biografia Elza, de Zeca Camargo.
Certo ou por linhas tortas, a artista deu voz às mulheres contra a violência. Interpretou a canção Maria da Vila Matilde, de Douglas Germano. Um dos trechos avisa: "Cê vai se arrepender de levantar a mão pra mim". Curiosamente cita até o apelido de Garrincha. "Mão, cheia de dedo/Dedo, cheio de unha suja/E pra cima de mim? Pra cima de moi? Jamais, Mané!"
Que o "cê vai se arrepender de levantar a mão pra mim" seja um dos legados da batalha de Elza. A mensagem da vítima albanesa do estupro coletivo de Robinho, também. "Mulheres, denunciem, não tenham medo de seus agressores, porque, diante de cada agressor, há outras 10 pessoas boas prontas a te ajudar: um amigo, um familiar, um policial competente, mas, sobretudo, a Justiça", disse ao UOL. Não importa se o dedo apontar para os badalados Garrincha e Robinho ou simplesmente um mané.
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