PETRÔNIO PORTELLA FILHO - Doutor em economia pela Unicamp, é consultor concursado do Senado
Segundo a última pesquisa IPEC (antigo Ibope), Lula tem 48% das intenções de voto e venceria no primeiro turno. Sergio Moro teria apenas 6%. Ou seja, o homem que passou 580 dias preso tem oito vezes mais intenção de voto do que o juiz que o condenou. O mundo dá voltas.
O ódio ao PT refluiu, mas não na grande imprensa. Editorialistas alegam que o STF teria usado filigranas para anular as provas contra Lula. Quem diz isto ignora que, em duas ocasiões, o juiz se traiu e declarou nos autos que as provas eram inexistentes:
"Enfim, de fato, não há prova de que os recursos obtidos pela OAS com o contrato com a Petrobras foram especificamente utilizados para pagamento ao presidente". "Este juízo jamais afirmou, na sentença ou em lugar algum, que os valores obtidos pela Construtora OAS nos contratos com a Petrobras foram usados para pagamento da vantagem indevida para o ex-presidente."
Moro usou a ausência de provas como fator agravante e condenou o réu também por lavagem de dinheiro. A sentença é bizarra. Moro ignorou 70 testemunhas da defesa e condenou com base apenas na delação premiada de Leo Pinheiro — em desrespeito à Lei 12.850/13, que exige que tais delações sejam amparadas por provas materiais. Posteriormente, em carta do próprio punho, Leo Pinheiro confessou que mentiu. A carta foi publicada em todos os jornais, mas nenhum se retratou.
A condenação de Lula por Moro e sua confirmação por três desembargadores são crimes ignorados pela imprensa que jamais serão punidos. Os apoiadores acreditam que a candidatura do ex-juiz, anunciada em 10/11, ainda vai decolar. Bem, só se ela decolar como o nosso PIB. Paulo Guedes promete a "decolagem" da economia desde o 1º dia de sua gestão.
Os problemas eleitorais do Moro são vários. Chama a atenção sua falta de experiência, eloquência, carisma e cultura. Como juiz, foi parcial e inescrupuloso. Interferiu na eleição, depois se tornou ministro do candidato que ajudou a eleger. O juiz impoluto aceitou se aliar a um presidente com notórios laços criminosos. Os jornais haviam noticiado, antes de Moro tomar posse, o enriquecimento do clã Bolsonaro com rachadinhas (peculato) e a aquisição de imóveis em dinheiro vivo (lavagem de dinheiro).
Como ministro, Moro apoiou os arroubos autoritários do presidente e suas tentativas de golpe. Tentou usar a Lei de Segurança Nacional para calar opositores, sendo rechaçado. Defendeu a exclusão de ilicitude, que permitiria aos PMs matar sob "violenta emoção". Tratou como heróis policiais amotinados do Ceará. Baixou portarias que facilitavam a aquisição de armas.
Moro provou ser tão radical quanto Bolsonaro. Mas o gado prefere o fascista original — que é autêntico no seu racismo, misoginia e homofobia — ao imitador que usa terno e sabe comer de talher.
Na visão da direita, Moro traiu o Mito. Na visão da esquerda, ele traiu o Brasil. Na visão de quem tem senso de justiça, ele traiu a magistratura. Como todos odeiam traidores, ele é hoje o segundo candidato mais rejeitado, só perde para o presidente.
Talvez o maior erro de Moro seja defender a política econômica atual. Disse no Twitter que Guedes era "talvez o melhor quadro de Bolsonaro". Defendeu em entrevistas o continuísmo da política que levou o Brasil a níveis recordes de desemprego, pobreza e endividamento público. Pastore, o guru de Moro, defende a radicalização do ultraliberalismo de Guedes.
O Brasil precisa mudar a política econômica. A guinada recessiva começou em novembro de 2014, quando Dilma entregou a economia para o Chicago boy Joaquim Levy. De lá para cá, são sete anos em que a economia esteve sempre sob a gestão de ultraliberais que "combateram a recessão" diminuindo o Estado e destruindo direitos trabalhistas. Tal sectarismo fez o PIB per capita diminuir 11% no período 2015-2020.
Moro repete, também, o discurso anticorrupção que elegeu Bolsonaro em 2018. Mas ele faz pior. Sua proposta de "política anticorrupção" destruiria a independência do Judiciário e, na prática, rasgaria a Constituição. Tal política, praticada por alguém com o histórico de Moro, resultaria em perseguições políticas e no fim do Estado Democrático de Direito.
Causa-me indignação ver descreverem como "terceira via" um candidato que comunga a agenda ideológica e a política econômica de Bolsonaro. Defender a candidatura Moro 2022 é vender o continuísmo como mudança. A intolerância como conciliação. A extrema direita como centro. E o fascismo como democracia.