Opinião

Ódio e racismo estrutural nos presídios do DF

MICHEL PLATINI - Ativista e presidente do Centro Brasiliense de Defesa dos Direitos Humanos (Centrodh) e coordenador da Aliança Nacional LGBTI

Não existe política de ressocialização, tampouco esse é o objetivo final do Estado quando falamos de sistema prisional, aqui na capital, menos ainda em lugares mais distantes. Os presídios se tornaram depósitos de criminosos em que o Estado usa a sua gestão para cometer abusos e aplicar uma espécie de sadomasoquismo institucional. Estou cada vez mais convicto de que esse sistema é um fracasso e que ele não deseja ressignificar a relação com o crime.

Há tempos, acompanho o sistema prisional de Brasília. No Complexo da Papuda, vejo com muita preocupação o crescimento de denúncias de abusos de autoridade, de prática de tortura, ausência de alimentação na quantidade adequada e a suspensão das visitas normais. Pior do que isso é o silêncio de autoridades que devem zelar pelo cumprimento da pena, nos seus limites. Importa salientar que estamos falando de um sistema formado pelas desigualdades de um Brasil profundo que sempre prendeu a população preta e não disfarça seu apreço pelo patrimônio em detrimento das pessoas.

Embora pessoas negras correspondam a 52% da população brasileira segundo o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística(IBGE), os dados sobre encarceramento relativos à raça/cor, divulgados pelo 14º Anuário Brasileiro de Segurança Pública, indicaram alta concentração da população negra. Em 2019, negras e negros representaram 66,7% da população carcerária, enquanto a população não negra (considerados brancos, amarelos e indígenas, segundo a classificação adotada pelo IBGE) representou 33,3%. Isso significa que, para cada não negro preso no Brasil em 2019, dois negros foram presos. E um pouco mais que o dobro, quando comparado aos brancos. Ao analisar a série histórica do dado raça/cor de detentos no Brasil, fica explicito que, a cada ano, esse grupo representa uma fração maior do total de pessoas presas. Se, em 2005, negros representavam 58,4% do total de presos, enquanto os brancos eram 39,8%, em 2019, essa proporção chegou a 66,7% de negros e 32,3% de brancos.

No Brasil, existe uma política de encarceramento em curso, em que se prende cada vez mais. Sobretudo, cada vez mais pessoas negras. Existe, dessa forma, forte desigualdade racial no sistema prisional, materializada não somente nos dados apresentados, como pode também ser percebida concretamente na maior severidade de tratamento e sanções punitivas direcionadas a esse segmento nos presídios do DF, ou seja, o ódio não é como aparenta ser: dirigido ao crime, o ódio escolheu o povo preto para exterminar.

Excessos em procedimentos internos, naturalização de abusos e baixa resposta institucional, como o uso inadequado de bala de borracha e outros instrumentos "menos lesivos". Recentemente, acompanhamos a triste situação de três internos que ficaram cegos dado o uso inadequado de armas de bala de borracha após uma investida desnecessária e sem medir o seu risco. Associadas a isso, as chances diferenciais e restritas aos negros na sociedade, às condições de pobreza que enfrentam no cotidiano, fazem com que se tornem os alvos preferenciais das políticas de extermínio e encarceramento.

A situação do sistema prisional do DF é preocupante e tem tirado o sono de familiares de internos que assistem com muita aflição a violações crescerem e a impunidade prevalecer, isso porque servidores que estavam no centro de graves denúncias estão assumindo cargos de gestão na recém-criada Secretaria de Administração Penitenciária(Seap). Órgão que nasce sem dizer a que veio, sem apresentar solução aos problemas existentes que se arrastam por anos. Pelo contrário, a situação tem piorado e se agravado ainda mais, fazendo com que familiares denunciem cada vez mais graves violações no sistema.

Em vez de solucionar as queixas apresentadas, órgãos da execução penal no DF atuam conjuntamente para desqualificarem essas vozes, tanto dessa população negra encarcerada quanto de suas famílias, formadas em sua grande maioria por mulheres pobres e pretas. É mais fácil alimentar o ódio, já presente nessa sociedade deteriorada, do que ouvir essas vozes sujeitadas a marginalidade.

Não posso me calar diante desse comportamento desproporcional e também, porque aprendi a lutar contra a brutalidade estatal, porque sei e já vivi na pele a dor de ver essa barbárie aniquiladora chegar em mim, lutar contra a naturalização da violência, do descaso e da omissão significa dar um basta às violações futuras. Calar-se diante dessa violência significa incorporá-la ao cotidiano e relativizar o papel do Estado.

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