WALTER PENNINCK CAETANO - Economista e diretor da Consultoria em Administração Municipal (Conam)
JOSÉ CARLOS POLO - Economista e consultor técnico da Consultoria em Administração Municipal (Conam)
O chamado orçamento secreto é a mais nova investida contra os legítimos interesses da população brasileira, na medida em que sequestra parte importante dos impostos que os cidadãos recolhem aos cofres públicos para atender a um só objetivo: garantir a reeleição dos políticos que estão no poder, em que pese haver uma minoria que discorda desse jeito de governar.
Atender prioridades e metas construídas a partir do conhecimento pleno da realidade como exige o art. 165 da Constituição, empregar os recursos para reduzir as desigualdades sociais e regionais, promover o desenvolvimento, enfim, assegurar que cada brasileiro tenha uma vida digna não passa pela cabeça da maioria dos políticos que habitam Brasília.
Nosso orçamento foi abatido com armas e gente poderosas, por políticos que se deixam seduzir por interesses paroquiais, de grupos e, fundamentalmente, de corporações.
O sistema de planejamento e orçamento criado pelo constituinte de 1988 já não tem, infelizmente, nenhuma importância, pois não faz mais sentido pensar num plano plurianual que forneça as diretrizes, os objetivos e as metas da administração pública para os próximos quatro anos e tampouco numa lei que estabeleça anualmente as metas e prioridades a serem contempladas na lei orçamentária anual.
Os ataques ao orçamento não começaram agora. A produção sistemática de rombos orçamentários nas últimas décadas gerou um endividamento gigantesco, as vinculações de receitas não param de crescer, ainda que criadas por motivos nobres, mas que produzem mais ineficiências do que resultados realmente positivos.
O Plano Real e a Lei de Responsabilidade Fiscal foram um sopro de esperança, mas estão se esvaindo pela ação política dos últimos tempos. A inflação dos recentes 12 meses se acelerou rapidamente e já passa dos 10%. Fez-se, em 2016, um teto de gastos, que também está sob ataque.
Em 2015 foram criadas as emendas parlamentares individuais, de execução obrigatória, na base de 1,2% da receita corrente líquida. Nada de seguir uma eficiente escala de prioridades e metas. Não contentes, nossos congressistas decidiram em 2019 praticamente dobrar as apostas, sem risco de perder, criando outro tipo de emenda: as emendas de bancada, em que 1% da receita corrente líquida é distribuída a estados e municípios de comum acordo entre as bancadas estaduais do Congresso Nacional. De novo: nada de prioridades, nada de metas e tampouco de eficiência.
Voltando ao orçamento secreto, uma barbaridade por excelência, os políticos de Brasília, não todos, viram-se em apuros, pois a sociedade ficou sabendo de sua existência e botou a boca no trombone. Acionado, o Supremo Tribunal Federal estancou, liminarmente, a manobra.
E agora? O que fazer para ganhar as eleições de 2022, dada essa "intromissão" do STF, deve estar pensando aquele grupo majoritário de políticos de Brasília.
Como esperado e sem surpresas, a Câmara dos Deputados e o Senado Federal se apressaram na aprovação de uma resolução regulamentado o orçamento secreto, que, segundo os entendidos, continuará secreto e mandando às favas o processo de planejamento.
Fica a expectativa de como se pronunciará definitivamente o Plenário do STF nessa infeliz questão, pois a relatora ministra Rosa Weber liberou o pagamento das emendas em razão da regulamentação editada há poucos dias pelo Congresso Nacional por meio de resolução. Terminou o artigo? Não.
Aprovar normas gerais sobre orçamento pode ocorrer por meio de mera resolução do Congresso Nacional? Evidentemente, o que foi feito é uma afronta à Constituição, em particular contra o que diz o § 9 do art. 165.
Segundo esse dispositivo, somente lei complementar pode: (i) dispor sobre o exercício financeiro, a vigência, os prazos, a elaboração e a organização do plano plurianual, da lei de diretrizes orçamentárias e da lei orçamentária anual; (ii) estabelecer normas de gestão financeira e patrimonial da administração direta e indireta bem como condições para a instituição e funcionamento de fundos.
Já faz 33 anos que deputados e senadores estão devendo à sociedade brasileira a edição dessa lei complementar, pois a velha e surrada Lei nº 4.320/1964 tornou-se anacrônica.
É espantoso constatar como o Congresso Nacional foi célere em aprovar as normas de funcionamento do orçamento secreto, que, como já foi dito, continuará secreto, e mantém-se negando a edição da referida lei complementar, que poderia mudar de forma definitiva a atual cultura de elaboração e execução das leis que compõem nosso sistema de planejamento e orçamento determinado pelo art. 165 da Constituição. Quem sabe algum dia nosso orçamento, abatido e capturado nos últimos tempos, possa ser resgatado em favor do sofrido povo brasileiro.