KÁTIA MAGALHÃES ARRUDA - Ministra do TST, coordenadora nacional do Programa de Erradicação do Trabalho Infantil e Estímulo à Aprendizagem da Justiça do Trabalho e doutora em políticas públicas, com foco na precarização do trabalho no Brasil
JOÃO BATISTA MARTINS CESAR - Desembargador do TRT da 15ª Região - Campinas, presidente do Comitê de Erradicação do Trabalho Infantil do TRT-15 e gestor nacional do Programa de Erradicação do Trabalho Infantil e de Estímulo à Aprendizagem da Justiça do Trabalho (TST-CSJT)
JOSÉ ROBERTO DANTAS OLIVA - Advogado, juiz do Trabalho aposentado, mestre em direito das relações sociais pela PUC-SP, professor, jornalista e radialista. Autor do livro SP:o princípio da proteção integral e o trabalho da criança e do adolescente no Brasil
Por incrível que pareça, há quem diga que a aprovação da Proposta de Emenda à Constituição (PEC) 18/2011 ou de quaisquer das outras seis que a ela estão apensadas não seria retrocesso social. É sim!
As PECs visam a reduzir a idade mínima para o trabalho no Brasil para 14 anos de idade ou até menos, como o faz a PEC 2/2020, que propõe 13, ou pretendem, também, promover modificações na faixa etária da aprendizagem.
A questão foi debatida e rejeitada em outras legislaturas, mesmo as PECs em questão já tiveram pareceres, inclusive de relatores da Comissão de Constituição, Justiça e Cidadania (CCJC) da Câmara dos Deputados pela inconstitucionalidade, inconvencionalidade e até ilegalidade, mas, agora, ressuscitam o tema, nessa ânsia liberalizante desenfreada que só afeta os pobres.
E justamente em 2021, instituído como o Ano Internacional para a Eliminação do Trabalho Infantil. Na agenda 2030, a Organização das Nações Unidas traz, dentre os 17 Objetivos de Desenvolvimento Sustentável (ODS), dois que merecem particular destaque: o 4, que versa sobre a Educação, e o 8, que trata do Trabalho Decente e, em uma de suas metas, a sete (8.7) proclama a necessidade de eliminar as piores formas de trabalho infantil imediatamente e todas as formas até 2025.
Em contexto tal, qual o objetivo velado por trás dessas propostas? Em plena pandemia, num país cuja informalidade aumenta e a renda da população mais vulnerável diminui, que tem quase 14 milhões de adultos desempregados e outros tantos milhões de desalentados, ou seja, que desistiram de procurar emprego, é extremamente perverso pretender autorizar que adolescentes ingressem mais cedo no mercado de trabalho.
O objetivo só pode ser o de explorar e condenar à miséria aqueles que, subtraídos da escola e do convívio familiar, não terão a mínima condição de desenvolver-se na plenitude que a verdadeira cidadania exige. Fala-se que não haveria retrocesso social. Aventa-se que retrocesso poderia ter sido a elevação da idade. Basta consultar brevemente a história, e o retrocesso é evidente.
A Constituição de 1934 já previa idade mínima de 14 anos para o trabalho em geral.
Outorgada por Getúlio Vargas de 1937, ao término do seu mandato, em golpe de estado, manteve a idade mínima de 14 anos para o trabalho. A de 1946, quarta republicana, previa também idade mínima de 14 anos para o trabalho.
Foi a de 1967, traduzindo a vontade dos governos militares iniciados em 1964, que reduziu a idade mínima para 12 anos. A de 1969, resultante de texto derivado da EC 1, promulgada por Junta Militar, manteve o mesmo tratamento.
A Constituição democrática de 1988 elevou, retornando aos idos de 1934, para 14 a idade mínima para o trabalho e, depois, pela EC 20/1998, o inciso XXXIII recebeu a atual redação — 16 anos. Se aprovada a redução pretendida, retornaremos ao que era em 1934. Retrocederemos, portanto, 87 anos.
O retrocesso não será apenas temporal, mas social. Trará reflexos na economia e prejudicará a educação básica, aumentando a evasão escolar. E contribuirá para o aumento do número de desempregados e de explorados.
As propostas não consultam aos melhores interesses dos adolescentes, atentam contra a proteção integral e absolutamente prioritária que lhes deve ser conferida, inquestionavelmente violam o princípio do não retrocesso social e se chocam com o comando de elevação progressiva da idade mínima para o trabalho, que nunca deve ser inferior à do término do ensino compulsório.
A par dos prejuízos que isso causaria ao desenvolvimento biopsicossocial dos adolescentes e à sua formação educacional, a redução pretendida, se aprovada, inflaria o desemprego e o subemprego, pelo aumento numérico do universo de pessoas autorizadas a trabalhar sem a correspondente criação de vagas no mercado de trabalho, além de ser possível aos adolescentes ocupar vagas hoje reservadas aos adultos, subvertendo a ordem de proteção.
Devem-se encontrar caminhos, isto sim, para propiciar renda mínima que assegure dignidade às famílias mais vulneráveis e seus filhos, promover a universalização da educação, que deve ser gratuita, de excelência qualitativa, mostrar-se atrativa, preparar para a cidadania plena, revelar-se completa e ser ministrada, ainda, em tempo integral, possibilitando também aos mais pobres preparação adequada, que lhes ofereça condições efetivas para romper os grilhões que os atrela à miséria, num círculo intergeracional sem fim, em que a pobreza é causa e consequência da exploração pelo trabalho precoce.
Tais PECs precisam ser de vez sepultadas. São nocivas. Quando se trata de evolução humana, deve se ter em mente que é um caminhar para a frente, promovendo a inclusão socioeconômica e o respeito à dignidade do ser humano. Executivo, Legislativo, Judiciário, todos, enfim, têm o dever de lutar por educação, não se pode aceitar retrocesso e exploração.