Visão do Correio

Artigo: orçamento das desigualdades

Pressionado pela exigência de se driblar a legislação do teto de gastos e encontrar recursos para atender a urgente necessidade dos milhões de brasileiros que vivem hoje em extrema pobreza, Legislativo e Executivo acabaram fazendo do Orçamento da União de 2022 um retrato expresso das desigualdades existentes no país. Expôs, também, um governo que busca, primeiro, atender suas próprias necessidades, deixando em segundo plano a sociedade.

Buscou-se ampliar recursos para o novo Auxílio Brasil (R$ 110 bilhões), para os partidos bancarem as eleições do ano que vem (R$ 4,9 bilhões) e para emendas parlamentares secretas (mais de R$ 16,2 bilhões) e se espera que haverá sobra para a realização de obras Brasil afora. E, nesse caso, o que se quer é que esses investimentos públicos sejam em projetos que permitam atendimento de necessidades da população e a possibilidade de geração de emprego e renda.

E é na renda que ficam expostas, também, as desigualdades incorporadas na Lei Orçamentária. A necessidade de se pagar R$ 400 para 17,9 milhões de famílias (cerca de 71 milhões de pessoas) brasileiras vivendo em situação de extrema pobreza. Isso significa que, de cada três brasileiros, um vai receber o dinheiro extra do governo, que corresponde a 33% do valor do novo salário mínimo. São números gritantes expondo a dura realidade do Brasil, que empobreceu nos últimos anos. E não é apenas o empobrecimento que está escancarado no Orçamento de 2022.

O presidente Jair Bolsonaro chegou a sinalizar com a possibilidade de reajuste para todos os servidores públicos, ainda que em percentuais baixos. Mas o relator do Orçamento não destinou verbas para atender à reivindicação do funcionalismo federal. Em lugar disso, ele previu apenas o reajuste dos policiais vinculados à União ao separar R$ 1,7 bilhão para esse fim em 2022. Não se questiona a necessidade de se reajustar os vencimentos das forças de segurança, mas isso não pode ser feito em detrimento de outras categorias que somam cerca de 1 milhão de servidores, que estão sem aumento salarial há cinco anos.

O governo não pode ser o incentivador do surgimento de castas dentro do funcionalismo, e logicamente haverá protestos. Nas contas de associações de servidores e especialistas, há espaço no Orçamento para aumentos de todo o funcionalismo federal, com índices que chegariam a 8%. Esse cálculo indica pressão do funcionalismo em 2022, ano eleitoral, por ganhos salariais. Tudo o que o Brasil não precisa neste momento é que o ano de 2022 seja marcado por greves e protestos de servidores.

Para todos os outros trabalhadores, não há garantias de reajuste salarial em 2022, apenas para os que recebem salário mínimo, que terão aumento de pouco mais de 10% (de R$ 1.100 atuais para R$ 1.210 ou um pouco mais, dependendo da inflação fechada de 2021). Embora reponha o custo de vida oficial, esse valor é pouco para quem recebe e muito para quem paga. Por um lado, o valor chegará ao bolso de aposentados, pensionistas e trabalhadores corroído por aumentos de itens básicos de mais de 50% ao longo de 2021.

Por outro lado, o aumento de R$ 110 vai impactar as contas públicas — a cada R$ 1 de reajuste estimam-se R$ 315 milhões de gastos da Previdência Social e com o pagamento de abono salarial, seguro-desemprego e BPC. Há impacto também no caixa das prefeituras, que devem ter gastos adicionais de mais de R$ 4 bilhões em 2022. É preciso buscar meios, e aí não apenas no momento de votação do Orçamento, de se equacionar essa limitação de correção do salário mínimo, que hoje, com base na lei que o criou, deveria ser de quase R$ 6 mil para atender às necessidades básicas de uma família de quatro pessoas.

 

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