LUIS CARLOS AFFONSO - Vice-Presidente de Engenharia, Desenvolvimento Tecnológico e Estratégia Corporativa, Embraer S.A.
O Brasil é um país continental. Afirmação tão verdadeira quanto exaustivamente repetida em uma incontável diversidade de contextos. Essa característica nos traz muitas vantagens, mas também vários desafios. Um deles, sem dúvida, está relacionado aos nossos modais de transporte e como conectar pessoas e desenvolver regiões mais afastadas dos grandes centros urbanos. A Agência Nacional de Aviação Civil (Anac) abriu, recentemente, uma consulta pública que apresenta oportunidade única para beneficiar o desenvolvimento da aviação regional brasileira em bases mais sustentáveis.
Trata-se de discutir quais serão os critérios adotados para a distribuição de novos slots — como são chamados os horários disponíveis de voo para cada companhia aérea — em aeroportos saturados, como é o caso de Congonhas, em São Paulo. Nesse contexto, e ao contrário dos critérios atualmente adotados, vale refletir sobre a importância de priorizarmos a utilização de aeronaves menores e mais eficientes, em chamados slots verdes, como forma de reduzir as emissões de dióxido de carbono (CO²) na atmosfera, ao mesmo tempo em que representaria um incentivo ao crescimento da aviação regional no Brasil.
Dados do Inventário Nacional de Emissões publicado pela Anac, em 2019, apontam que as emissões de CO² na aviação brasileira saltaram de 11.064 Gg, em 2005, para 17.763 Gg em 2018, aumento de 59%. Isso porque aeronaves mais antigas queimam mais combustível e emitem mais CO². Em contrapartida, os aviões de nova geração emitem 30% menos CO², na comparação com aeronaves da geração anterior. Nesses casos, cada voo em um avião mais moderno previne, em média, o lançamento de 3.700kg de CO2 na atmosfera. Isso para não falar da redução do ruído que, nos novos aviões, é da ordem de até 65% menor.
Fica claro, portanto, que a consulta pública da Anac abre a possibilidade de adotar um modelo efetivo de desenvolvimento sustentável ao estimular o uso de aviões mais eficientes e de menor capacidade, que operam em rotas de menor densidade, servindo a municípios médios e pequenos. Esse é o modelo adotado por mercados mais maduros, como os Estados Unidos, em que o tamanho médio das aeronaves é de 113 assentos, contra 153 assentos no Brasil, de acordo com a Sabre Market Intelligence, uma referência no transporte aéreo internacional.
Essa decisão traria impactos relevantes para o desenvolvimento econômico de cidades que hoje não são atendidas pelo transporte aéreo regular, pois as políticas vigentes estimulam as companhias aéreas brasileiras a utilizar aeronaves de maior porte, que não são capazes de operar de forma rentável em rotas com menor densidade de passageiros. Segundo dados da Sabre, a aviação regular servia a 130 cidades no Brasil em 2000 e, em 2019, esse número havia caído para 109 destinos — uma redução de 19%. O efeito dessa política é duplamente negativo: além de desestimular o desenvolvimento da aviação regional, tem sido responsável pelo crescimento acentuado do perfil de emissões da aviação brasileira nos últimos anos.
As boas práticas internacionais, é importante reforçar, têm apontado cada vez mais na direção da sustentabilidade. O setor do transporte aéreo mundial, por meio da ATAG (Air Transport Action Group na sigla em inglês), por exemplo, tem como meta zerar as emissões de CO² na aviação até 2050. Esse é um grande desafio de longo prazo que demanda ações imediatas. Mesmo porque a falta de medidas concretas gera consequências: mais emissões de CO² geradas por aeronaves maiores circulando entre as regiões metropolitanas e diminuição constante do número e da capilaridade dos aeroportos regionais em um país com desafios de infraestrutura. Ou seja, o resultado da concentração do transporte em aeronaves maiores é prejudicial tanto para a sustentabilidade quanto para a economia.
Dessa forma, é muito importante que a nova normativa leve em conta os desafios que temos a superar no volume de emissões e em uma distribuição mais igualitária da infraestrutura aeroportuária do país. O incentivo ao uso de aviões mais eficientes e de menor porte pelas companhias aéreas nacionais deve ser um critério para a concessão de novos slots, para que o país possa iniciar uma transição mais consistente rumo a um paradigma verde na aviação.