Entre os muitos discos com o registro da celebrada obra de Chico Buarque, um, por vários aspectos, se sobressai ainda mais. Lançado em 1971, pela Philips, Construção trazia nas 10 faixas canções de estilos variados e letras com diferentes enfoques — do romantismo à crítica social —, que conviviam harmoniosamente no repertório. Algumas, como Cotidiano, Deus lhe pague, Samba de Orly e Valsinha transformaram-se em clássicos.
A de maior impacto, porém, foi a música que deu título ao álbum, cuja história faz relato das agruras vividas por um operário, flutuando no ar, tentando se equilibrar sobre os andaimes de uma construção civil. Inspirado por aqueles movimentos imaginários (ou em algo que tenha presenciado), Chico, utilizando a metalinguagem, criou versos ora românticos, ora trágicos, ora irônicos, ora delirantes, que despertavam nos brasileiros — à época vivendo sob a opressão da ditadura militar — sentimentos como espanto, afeto e acolhimento.
Trecho da letra diz: "Subiu na construção como se fosse máquina/ Ergueu no patamar quatro paredes sólidas/ Tijolo com tijolo num desenho mágico/ Seus olhos embotados de cimento e lágrima...".
O LP, produzido por Roberto Menescal (à época diretor artístico da gravadora), contou com direção musical do saudoso Magro Waghabi Filho, um dos fundadores do MPB-4; e arranjos do maestro Rogério Duprat, que havia se destacado nessa função no álbum-símbolo da Tropicália. O trabalho realizado por ele ficou ainda mais perceptível em Construçãoque, com seus seis minutos de duração, quebrou o paradigma das emissoras de rádio. Pela primeira vez, uma canção, com aquela característica, foi incluída na programação.
Construção, o álbum, 50 anos depois — mas ainda atualíssimo —, acaba de ser relançado. Quem o ouviu em vinil agora vai poder usufruir daquele rico manancial sonoro nas plataformas digitais, onde está à disposição, também, de quem não o conhecia e queira se deleitar com uma das mais belas páginas da enciclopédia da música popular brasileira.