opinião

Brasília em dois tempos

Por SILVESTRE GORGULHO - Jornalista, foi secretário de Estado de Cultura de Brasília

Brasília é a capital da arte e do bem-querer. Uma cidade-parque, uma cidade museu e uma cidade onde até o céu merece ser tombado. O livro Maravilhas de Brasília — a capital dos brasileiros, recém-lançado pela escritora Dad Squarisi, mostra que Brasília é diferente de tudo e, por isso, é uma ilha rodeada de belezas por todos os lados.

No chão, as águas e os cristais. Na área urbana, uma cidade de árvores e flores, um traçado único em libélula, os pelotis, a Esplanada, os palácios, as praças e os monumentos assinados por Lucio Costa e Oscar Niemeyer, Burle Marx, Marianne Peretti, Athos Bulcão, Alfredo Ceschiatti e Bruno Giorgi. A leste, o Lago Paranoá. A oeste, o Parque Nacional.

No alto, ah lá no alto, um mar... de nuvens. Um céu onde a lua pode nascer sangrenta, o pôr do sol colore a paisagem e o nascer do sol é privilégio para os que acordam cedo. O céu de Brasília mexe com as entranhas de cada brasiliense que pode, ao longo da maioria dos dias do ano, ler as nuvens e contar as estrelas.

A criatividade e a ousadia ocuparam os chapadões invioláveis do Centro-Oeste. Brasília é a prova de que o presidente JK comandou a maior aventura formal nas artes e na geopolítica na América Latina. E, assim, Brasília surgiu num campo livre pelos traços e riscos de Lucio Costa e Oscar Niemeyer.

A esse caleidoscópio de encantos, uma nova arte se incorporou ao chão de Brasília, dia 29 de novembro passado: a chegada de Pier Luigi Nervi, o maior engenheiro-arquiteto italiano depois de Leonardo da Vinci. O embaixador da Itália, Francesco Azzarello, inaugurou nos jardins da embaixada uma estátua de Nervi, o arquiteto que soube plantar no cerrado brasiliense, em colunas e jardins, a pujança de um país tropical. O projeto da Embaixada mais icônica de Brasília incorporou a natureza dos igarapés da floresta Amazônica que deslumbram e penteiam cada alvorada e cada pôr do sol no lote 30 da 807 Sul.

Foram as amplas possibilidades de utilização do concreto armado que fizeram o estilo de Oscar Niemeyer e de seu amigo e colega Pier Luigi Nervi. O projeto de Nervi pronto, iniciou-se a obra em 1974 para ser inaugurada em 2 de junho de 1977. O projeto teve a participação importante do paisagista brasiliense Ney Ururahy. Os troncos de árvores dos igarapés em colunas e os jardins nasceram da dobradinha Nervi e Ururahy, cujo legado pode ser encontrado na Embaixada da Itália, no aeroporto, em alguns hotéis e clubes, na Universidade de Brasília e no Palácio do Itamaraty.

Há 14 dias, a estátua de Pier Luigi Nervi é guardiã dos igarapés ítalo-amazônicos. E a arte da escultora Christina Motta é mais uma peça dentro do quadradinho do Distrito Federal. Christina Motta tem outros trabalhos premiados e admirados no mundo inteiro. Dois especiais: a escultura da atriz Brigitte Bardot, em Búzios, e a de Tom Jobim, na praia carioca de Ipanema, cuja imagem do maestro-compositor nasceu de uma foto quando Tom Jobim compunha com Vinicius de Moraes a Sinfonia da alvorada, no Catetinho aqui em Brasília.

Quando esteve em Brasília, em 1974, para ver o terreno onde projetaria esse peculiar prédio da Embaixada da Itália, Pier Luigi Nervi fez questão de conhecer uma obra-prima de seu amigo Oscar Niemeyer, na Esplanada dos Ministérios: a sede do Ministério das Relações Exteriores. Nervi deslumbrou-se com a beleza do Itamaraty e repetiu várias vezes:

— Un' opera d'arte caduta da cielo.

Hoje, todo visitante que for conhecer o prédio da embaixada nascido da prancheta de um gênio da arquitetura italiana que fez uma homenagem singular ao Brasil — o mesmo Nervi projetou a sede da Unesco em Paris — e ao se aproximar da escultura em bronze e tamanho natural de Pier Luigi Nervi feita por Christina Motta, com certeza ouvirá do próprio embaixador Francesco Azzarello:

— Un'opera d'arte che cade dal cielo amazzonico sulla terra brasiliense.

PS: Um protesto. Estava escrevendo este texto quando me chega a notícia de que na tarde de quarta-feira, dia 8, os deputados da Câmara Legislativa aprovaram a criação de cinco lotes no Eixo Monumental. Trata-se de uma área de quase 43 mil metros quadrados. Mesmo que os lotes sejam para atividades culturais, há um senão: o que faz a monumentalidade de Brasília são as áreas verdes. É o espaço livre.

Deixo uma frase do Duc d'Harcourt, autor de Des jardins heureux, que explica bem o valor do espaço vazio: "O espaço vazio é, talvez, o elemento mais importante de uma cidade. É expressão do invisível, um centro em torno do qual tudo se ordena. É o equivalente do silêncio que constitui, não se deve esquecer, um dos componentes da eloquência. O vazio tem um valor espiritual: nossas catedrais eram o invólucro de um espaço de dimensões perfeitas para suscitar a prece".