OPINIÃO

Vírus do medo e da desigualdade

Passado pouco mais de uma semana da descoberta da ômicron, o mundo vive uma pandemia de contradições sobre a nova cepa de coronavírus. O tsunami de medo que varreu o planeta chegou ao ápice na última sexta-feira de novembro, logo depois de o executivo-chefe da farmacêutica Moderna, Stéphane Bancel, declarar que as vacinas contra a covid-19 seriam menos eficazes no combate à nova variante. O resultado foi o derretimento de ativos nas principais bolsas de valores do planeta. E a pressa com que Brasil, Estados Unidos, Canadá, Israel, Reino Unido e União Europeia, entre outros, anunciaram restrições a viajantes vindos da África do Sul e países vizinhos.

Na raiz do medo, o fato de a nova cepa ter cerca de 30 mutações na proteína spike, que é o alvo das vacinas para combater infecções pelo coronavírus. Em tese, essas metamorfoses poderiam ajudar a ômicron a driblar os imunizantes existentes e resultar em casos mais graves. Mas, de concreto, até agora, ainda pouco se sabe. Há apenas informações de médicos da África do Sul, onde a ômicron foi sequenciada pela primeira vez, de que seria mais transmissível. No entanto, ao menos de início, mostrava-se menos agressiva do que a delta. Nos casos detectados no país, relataram, os infectados estavam assintomáticos ou com sintomas leves semelhantes ao de uma gripe comum.

Quanto ao Brasil, até a última sexta-feira, havia seis casos confirmados de ômicron. Três em São Paulo, dois no Distrito Federal e um no Rio Grande do Sul. Cinco deles, de pessoas recém-chegadas da África do Sul. A outra, da Etiópia. Todas estavam isoladas e sob monitoramento de profissionais de secretarias regionais de Saúde. No geral, com sintomas semelhantes aos relatados pelos médicos sul-africanos. Contudo, diante do pânico e da escassez de informações sobre a real gravidade da ômicron, as festas oficiais de réveillon foram suspensas na maioria das capitais brasileiras — entre elas, São Paulo, Belo Horizonte, Brasília, Vitória, Porto Alegre, Florianópolis, Recife, Salvador, Maceió e Fortaleza. E, por enquanto, o carnaval, que prometia ser um dos mais animados da história, também subiu no telhado.

Por isso, no momento, a palavra de ordem é aguardar o desdobramento dos estudos sobre os impactos da variante. Para o virologista e pesquisador Bergmann Ribeiro, professor da Universidade de Brasília (UnB), o alto potencial de transmissão da nova cepa a fará ultrapassar os casos de infecções provocados pela delta, que é hoje a principal causa de contágios e mortes no planeta. "Não foi mostrado, até agora, que a ômicron pode ser mais grave ou não. Mas, provavelmente, não deve ser em quem já foi vacinado. Por isso, é importante as pessoas se vacinarem", disse. Recomendou, ainda, que medidas como o uso de máscara e o distanciamento físico sejam mantidos.

No Brasil, até poucos dias atrás, cientistas alertavam para o risco de a delta desencadear quadro semelhante à quarta onda de pandemia que atormenta países da Europa e da Ásia. No entanto, ainda não há estudos que expliquem, de forma categórica, o fenômeno pela qual a variante descoberta na Índia não teve, até o momento, o mesmo impacto devastador no território nacional. Aliás, o tema, desta vez relacionado à África, foi levantado em carta publicada em rede social pelos escritores Mia Couto (moçambicano) e José Eduardo Agualusa (angolano).

No texto, Couto e Agualusa classificam como discriminação as restrições impostas aos países africanos. "No dia em que a Europa interditou voos de e para Maputo, Moçambique tinha registrado cinco casos de infecção, zero internamento e zero mortes por covid-19. Nos restantes países da África Austral, a situação era semelhante. Em contrapartida, a maioria dos países europeus enfrentava uma dramática onda de novas infecções", observaram. Na carta, eles estampam, ainda, o abismo da desigualdade, ao lembrar que, enquanto habitantes de países ricos já tomam a terceira dose, a maioria dos africanos não tomou sequer a primeira.