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Leomar Daroncho: 'o STF e a sorte da Agenda 2030'

LEOMAR DARONCHO - Procurador do Trabalho

Azar dos indianos! Em 3 de dezembro de 1984, a explosão da fábrica de veneno da Union Carbide cobriu a cidade de Bhopal, na Índia, com uma nuvem de agrotóxicos que contaminou 200 mil pessoas. Morreram imediatamente milhares de pessoas, em meio a 25 mil casos de cegueira e 50 mil incapacitados para o trabalho. A empresa alegou sigilo industrial, dificultando o tratamento das vítimas. O Governo restringiu as informações e a responsabilização com o pretexto de que poderia afugentar investidores.

Desfortuna dos vietnamitas! Na década de 1960 a Força Aérea dos Estados Unidos despejou agrotóxicos desfolhantes — Agente Laranja — nas florestas do sudeste asiático. Em 2013, a justiça sul-coreana condenou fabricantes do veneno a indenizar ex-combatentes com doenças crônicas. O Vietnã lida com 150 mil crianças malformadas, e com as crendices de que seria castigo.

Desgraceira asiática! Além da onda de aborto espontâneo e malformação de crianças, Índia e Vietnã enfrentam as sequelas do veneno em pacientes crônicos: câncer, distúrbios hormonais, digestivos e respiratórios. Os EUA iniciaram a descontaminação da dioxina do solo vietnamita. Washington, porém, adota cautela com receio das indenizações bilionárias. O Governo vietnamita teme que investigações prejudiquem exportações de gêneros alimentícios de um país contaminado.

Infortúnio dos brasileiros! O atual governo já liberou 1.458 agrotóxicos, muitos deles proibidos em países que observam dados da ciência. Em 2021, foi autorizado o herbicida Dicamba, apesar do alerta do Agronegócio de que o produto foi proibido pela Justiça dos Estados Unidos, por ser muito perigoso. O episódio demonstra que não há adversários à pauta da vida, restringindo os agrotóxicos, com exceção da indústria química e dos mal-informados, que negam a ciência.

Moléstia cearense! Cientistas da Universidade Federal do Ceará relacionaram agrotóxicos à malformação de bebês e à puberdade precoce em crianças na Chapada de Apodi. A tragédia se junta às notícias da contaminação da água potável e da pulverização sobre a floresta amazônica, para acelerar o desmatamento, além da aplicação aérea como arma química, em aldeias indígenas e em conflitos fundiários.

Brado cearense! A mobilização local contra o veneno levou à aprovação da Lei Zé Maria do Tomé — Lei nº 16.820/2019 — proibindo o despejo por aviões no Ceará. A Lei estadual está sendo questionada no STF (ADI 6137).

Esperança brasileira! A relatora do processo, ministra Cármen Lúcia, do Supremo Tribunal Federal (STF), apontou tratar-se de hipótese de competência legislativa concorrente. O Ceará estaria autorizado a editar normas mais protetivas à saúde e ao meio ambiente, observando normas gerais da União. No mérito, destacou que os Princípios constitucionais da Precaução e da Prevenção "impõem cautela e prudência na atuação positiva e negativa estatal na regulação de atividade econômica potencialmente lesiva", e que "os povos devem estabelecer mecanismos de combate preventivo às ações que ameaçam a utilização sustentável dos ecossistemas". Lembrou compromissos internacionais assumidos pelo Brasil, na Conferência da ONU sobre o Meio Ambiente (RIO 92) e na Carta da Terra (Fórum Rio 5), relacionando indicativos da contaminação de áreas vizinhas pela Deriva, quando o vento transporta o veneno dos aviões por até 32km. O STF, que tem se mostrado atento aos objetivos da Agenda 2030 da ONU para o desenvolvimento sustentável, já contabiliza 2 votos favoráveis à Lei.

Revés para predadores ambientais. A firme atuação do STF suspendendo a Portaria nº 43/2020, da Secretaria de Defesa Agropecuária, que admitia a "aprovação tácita" de agrotóxicos, indica boas perspectivas para que prevaleça a civilizada e democrática Lei cearense. Provavelmente o Decreto nº 10.833, de 7/10/2021, que facilita o uso de produtos tóxicos, também será questionado por usurpação de atribuições do legislador.

Alento para o futuro. A resignação supersticiosa dos vietnamitas, que atribui a maior incidência de crianças nascidas com deficiências à má-sorte, é incompatível com a ciência e com a pauta de um país comprometido com a Agenda 2030. O Dia Mundial de Combate ao Uso de Agrotóxicos, referência aos 37 anos de Bhopal, reaviva a responsabilidade do Sistema de Justiça com o direito concreto ao meio ambiente ecologicamente equilibrado, essencial à sadia qualidade de vida, condicionando a coletividade a defendê-lo e preservá-lo para as presentes e futuras gerações.

 

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