A hora da retrospectiva e dos balanços de qualquer tempo da vida das famílias e empresas, assim como dos mandatos políticos, incomoda e fere brios, além da satisfação pelos avanços conquistados. Não por outro motivo, governos da esquerda à direita costumam usar esse momento para tentar selecionar feitos e minimizar os fracassos. Numa passagem para 2022 cercada de incertezas e impiedosos desafios que os brasileiros terão de enfrentar, a tarefa impõe mais dificuldades, diante dos efeitos do dramático custo da covid-19 ainda associados aos problemas estruturais crônicos da economia.
O 2021 da esperança trazida pelo nível de vacinação, enfim alcançado num Brasil que entrou com atraso e negacionismo na corrida pelos imunizantes contra o coronavírus, termina sob o signo também complexo de atacar da inflação elevada. O índice oficial do custo de vida, o IPCA, atingiu 10,74% em 12 meses terminados em novembro, segundo o IBGE, tendo marcado altas históricas em diversos meses.
A redução dos indicadores de contaminação e mortes provocadas pelo coronavírus levou à reabertura de uma série de atividades que passaram a indicar recuperação no segundo semestre, mas esbarraram na limitação ao consumo com os preços altos de vários produtos. O tom otimista vem se dissipando nos últimos meses. Assim como o presidente Jair Bolsonaro e sua equipe, os bancos centrais de outros países gastaram parte do seu tempo em 2021 sustentando que se tratava de uma inflação transitória.
O argumento era de que a pressão no bolso das famílias estava associada a efeitos da crise sanitária, que afetou o fornecimento de insumos e produtos, alterando os preços, combinada a mudanças no comportamento do consumo. Que não sirva de justificativa, como deseja o governo. O fato é que o retorno da inflação intensa e persistente, uma velha conhecida dos brasileiros, surpreendeu e, agora, chega a 2022 na raia mais perigosa de um ano de eleições.
A ascensão do custo de vida se incumbiu de apagar parcela do fôlego que várias atividades haviam retomado, inibiu a capacidade de consumir do brasileiro, forçou o aumento da fome e da miséria. No rastro dela, o BC retomou a política de arrocho monetário, que pune os investimentos produtivos e dificulta a criação de empregos. A taxa Selic, que estava em 2% ao ano no fim de janeiro último, foi fixada em 9,25% anuais na reunião de 8 de dezembro do Comitê de Política Monetária (Copom).
As projeções dos tubarões do mercado financeiro para o IPCA de 2021 subiram de menos de 5% em abril último para 10,02% em meados deste mês. Os juros correram atrás saindo de estimativas de 5,5% em fim de abril para 9,25% desde outubro. A taxa de crescimento esperada caiu de 5,30% em 30 de julho para 4,58% no dia 17.
Até que ponto sucessivas turbulências políticas afetaram os indicadores que o país carrega para 2022 é pergunta nada fácil de ser respondida. A politização do tema confundiu e buscou transferir responsabilidades sobre a batata quente em que a inflação se transformou para políticos já movidos pelas eleições. O presidente Jair Bolsonaro, que, em 2020, havia culpado a quarentena necessária para enfrentamento do coronavírus, e o que chamou de excesso de consumo pela alta do preço do arroz, responsabilizou, em 2021, os governadores e o imposto estadual ICMS pelos aumentos dos preços da gasolina.
Em março último, o governo zerou as alíquotas de PIS e Cofins sobre o diesel e o gás de cozinha, sem conseguir conter a aceleração dos preços ao consumidor. No fim de outubro, Bolsonaro chamou o mercado financeiro de "nervosinho" ao comunicar elevação do custo do combustível nas refinarias. Naquele mesmo mês, o governo admitiu a pressão na conta de energia e anunciava a bandeira tarifária da escassez hídrica.
Antes algoz das famílias de menor poder aquisitivo, os aumentos de preços se espalharam já sem escolher bolso ou renda disponível. Em um ano até novembro, a energia elétrica encareceu 31,87%; o gás de cozinha, 38,88%; a gasolina, 50,78%; o frango, 22,90%. Pobre Brasil!
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